Luiz Phelipe Andrés
Membro da Academia Maranhense de Letras
Membro da Academia Maranhense de Letras
Caminhando pela Rua do Sol, no centro histórico de São Luís,
área reconhecida pela Unesco como Patrimônio da Humanidade, há um grande sobrado
de dois pavimentos e mirante, gradis de ferro e sacadas de pedra, de feição
colonial mas que chama atenção pelo detalhe da portada em cantaria de lióz, de
flagrante estilo neoclássico.
Em 28 de julho, completaram-se 40 anos desde que essa singular
edificação tornou-se a sede do Museu Histórico e Artístico do Maranhão, órgão da
Secretaria de Estado da Cultura, criado em 1968, no governo José Sarney, por
inspiração de Josué Montello. A inauguração foi em 28 de julho de 1973, já no
Governo Pedro Neiva de Santana.
Logo à entrada, o impacto visual do piso desenhado em lajes de
cantaria e seixos rolados, característica muito própria dos grandes solares, que
são destacados exemplares do valioso conjunto de arquitetura urbana. Neste
“lobby” um faiscante lustre de cristal e uma escadaria monumental.
Nas faces internas dos janelões que ladeiam a entrada principal,
interessantes detalhes das “conversadeiras”, assentos talhados na cantaria de
grossa espessura das paredes frontais e donde os moradores podiam comodamente
observar o movimento da rua.
Entrando-se na porta à direita, o cenário quase religioso da
nave de um pequeno teatro particular, com palco elevado na boca de cena em arco
pleno. Este foi batizado de “Teatro Apolônia Pinto”, em homenagem à maior atriz
do Brasil do século XIX, famosa também por haver nascido, nos camarins do Teatro
Arthur Azevedo em 1854.
Ao fundo do salão de entrada, o acesso ao pátio interno, em cujo
piso central de pesadas lajes, está o poço d´água, acima do qual se ergue uma
armação em hastes de ferro fundido com formato de cúpula, de cujo zênite descia
a corda da caçamba.
À esquerda, abre-se o jardim que foi espaço de estacionamento
dos coches e hoje ostenta um dos antigos chafarizes de metal das praças da
cidade. Adiante, três magníficas esculturas em terracota inglesa, em tamanho
natural, das deusas Minerva, Ceres e Mercúrio. No fundo do jardim, a casa de
banhos com fachada de azulejos antigos.
Ao visitante, a certeza de estar em uma das mansões que
abrigavam as famílias mais abastadas. Dentre elas a do major Inácio José de
Souza, construtor do prédio em 1836, proprietário de terras e escravos de
Itapecuru-Mirim e pai de Joaquim Gomes de Souza, que passou à história como
grande intelectual, matemático, astrônomo, filósofo e pioneiro dos estudos
matemáticos no Brasil.
Aqui o visitante pode fazer uma viagem no tempo e penetrar na
realidade virtual de como viviam estes ancestrais maranhenses, os senhores e os
escravos, protagonistas que foram de um modelo de economia colonial exportadora
de produtos agrícolas e baseada numa ordem escravocrata e latifundiária.
É como entrar na intimidade e surpreender os detalhes a vida
familiar cotidiana, desde onde viviam encafuados os escravos, no rés do chão,
dos fundos da morada. A faina apressada das mucamas ao subir escadarias de
serviço até onde estão os fogões à lenha, os grandes tachos, e as cristaleiras
que guardam louças, porcelanas, pratarias e cristais, utensílios domésticos de
época.
Percorrendo corredores laterais superiores, assoalhados com
tábuas de madeira de lei pode-se alcançar a área mais íntima, e discretamente, a
alcova, com a grande cama de casal coberta por um dossel e tendo ao seu lado o
berço do bebê.
Até mesmo observar o indiscreto “trono” de madeira sob cujo
acento vazado se escondia o urinol, de época em que não havia vasos sanitários
com água corrente. Escarradeiras de porcelana decorada ficam ali deixadas nos
cantos dos cômodos íntimos e também nas salas de visitas.
No escritório, sobre a escrivaninha descansam objetos como
penas, tinteiros e mata-borrões, e a monumental estante de livros raros, doada à
cidade de São Luís em 1902, pelo então presidente da República Argentina, Júlio
Rocca, que abriga raríssimos documentos, incluindo manuscritos de Aluízio de
Azevedo, ”O Mulato”, e “Malazarte”, de Graça Aranha. Há também o exemplar único
do álbum de fotos originais de Gaudêncio Cunha, de São Luís em 1908 da
Tipografia Teixeira.
Nos demais cômodos, exemplares do mobiliário maranhense da
primeira metade do século XIX, esculturas, gravuras e grande retrato a óleo que,
embora não seja, bem poderia ser a imagem da dona da casa, assim como outras
pinturas clássicas, em molduras de madeira dourada.
Em sua origem o MHAM teve como referência, o tradicional Museu
Histórico Nacional, mas as equipes técnicas em museologia, cedo identificaram
sua verdadeira vocação de se constituir em “Casa Histórica” ou “Casa de Época”
e, além disto, trabalhar na linha conceitual de Museu-Escola.
Ao implantar programações específicas para crianças e jovens que
enchem de vida e alegria este sobrado, o MHAM também foi pioneiro ao realizar,
ainda em 1978, a primeira visita programada para deficientes visuais de que se
teve notícia no país.
Aqui o visitante encontra nossa identidade cultural assim como a
crítica da realidade, favorecendo a produção de conhecimentos. E também opções
de lazer com filmes, exposições, visitas monitoradas, espetáculos teatrais,
palestras e debates.
Enriquecido desde sua fundação, o acervo possui mais de 8.000
peças distribuídas em sete espaços especializados. As artes plásticas e
azulejaria encontram-se no “Museu de Artes Visuais”, na Rua Portugal. O de Arte
Sacra no sobrado da Rua de São João que se liga ao prédio do MHAM pelo jardim
interno e também nas Capelas de São José das Laranjeiras, de Bom Jesus dos
Navegantes e Igreja do Desterro. O Museu Histórico de Alcântara/MA também é
vinculado ao MHAM.
O anexo mais antigo e por questão de justiça social, o mais
importante, é a Cafua das Mercês, inaugurado em 1975, com a finalidade de
preservar a herança dos escravos. Trata-se da história contada pela ótica dos
que foram oprimidos e explorados. Aí estão instrumentos de suplício que lembram
o sofrimento dos negros.
As equipes técnicas seguem o Plano Museológico estratégico que
norteia as ações em consonância com a Política Nacional de Museus do Ministério
da Cultura, atendendo ao Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM). Ao comemorar
seus 40 anos de atividade o MHAM se orgulha dos excelentes serviços prestados,
sempre fiel ao compromisso fundador de “zelar pelo patrimônio maranhense, assim
como divulgar e incentivar todos os segmentos da cultura”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário