Primeiro centenário da morte, em Buenos Aires, do romancista Aluísio Azevedo.
Jomar Moraes
Especial para o Alternativo
Especial para o Alternativo
Um pouco de ordem no caos – são tantas as desinformações e contrainformações em torno de Aluísio Azevedo, como de resto, relativamente aos escritores, inclusive os consagrados, que constitui providência necessária a tentativa de remover equívocos sempre que para tal a oportunidade se ofereça. Neste ano do centenário da morte/vida de Aluísio Azevedo, vem muito a propósito, nesta página evocativa do escritor, alinhar algumas retificações à algaravia de truncamentos que turvam, com erronias diversas, não só o conhecimento da obra em si, mas igualmente e sobretudo elementos de natureza biográfica, que são de fundamental importância. E destes, exclusivamente, aqui se tratará.
Primeiramente, é preciso dizer que tanto o nome literário quanto o nome civil do maior romancista maranhense é, aqui e ali, tanto proferidos quanto grafados erroneamente. No primeiro caso, não é incomum ouvirmos e lermos Aluísio “de” Azevedo. Essa interposta preposição, a despeito de figurar no nome completo do escritor, jamais integrou seu nome literário, que é e sempre foi Aluísio Azevedo, cujo nome completo era Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo. E o mesmo se diga de seu irmão primogênito, Artur Nabantino Gonçalves de Azevedo, mas que nem por isso é mencionado como Artur “de” Azevedo. E também o mesmo se diga do irmão caçula de ambos, Américo Garibaldi Gonçalves de Azevedo, poeta e dramaturgo que se deixou ficar na província, e que talvez por isso não alcançou a nomeada dos outros dois irmãos. Ninguém a ele se refere como Américo “de” Azevedo.
Mas quanto a Aluísio, pespegaram um indevido “de” entre seus prenome e nome de família. Esse “de”, indevido e renitente, ocorre na fala de pessoas do povo e até na escrita pretensiosa de sujeitos laureados com doutorices e pós-doutorices nas “estranjas”, caso, v.g., de Flávio R. Kothe, pós-doutorado em Literatura pelas Universidades de Yale, Heidelberg e Konstanz, professor visitante de prestigiosas instituições, entre as quais a Universidade de Rostock-Alemanha, tradutor de Adorno, Kafka, Marx, Engels, Paul Celan “et al” e, até onde sei, professor da Universidade de Brasília. O Senhor Doutor Kothe é autor de uma trilogia sobre cânone literário (O cânone colonial, 416p.; O cânone imperial, 604p.; e O cânone republicano, volumes I, 610p., e II, 509p.), publicada pela Editora da UnB. Para outra oportunidade ficam diferidas algumas considerações sobre essa obra. Basta, por enquanto, consignar que esse autor, nas 26 páginas finais de O cânone imperial, ocupa-se da obra ficcional aluisiana, e por mais de 20 vezes a ele se refere como Aluísio “de” Azevedo. Ora, se nem o nome do romancista o Kothe sabe, dá bem para imaginar a profusão de dislates que a respeito da obra do escritor ele comete.
Mas não param por aí as desinformações. De minha pequena coleção das obras de Aluísio Azevedo, em que se contam 15 edições diferentes de O mulato, 19 de O cortiço e 23 de Casa de pensão, além de menores quantidades de todos os demais livros do autor de O coruja, encontrei, por exemplo, uma edição de O cortiço, integrante da coleção Clássicos da Literatura, lançada pela Ciranda Cultural, porém sem ficha catalográfica. Embora na abertura da obra, acima de seu título, esteja o nome correto do autor, lê-se no dorso: Aluísio “de” Azevedo. Também na mesma coleção, outra edição da mesma obra, bem mais cuidada, traz ficha catalográfica, ordem da edição (na editora, claro), o ano da edição. O problema é que ela reproduz, na folha de rosto e na contracapa, a foto de alguém que pode ser qualquer pessoa, menos Aluísio Azevedo. Mais: uma reedição de 2003, da Editora Garnier, que adquiriu toda a obra de Aluísio, no início do século passado, traz de volta o romance O homem, com bom aparato crítico, mas tanto na capa quanto no dorso estampa: Aluísio “de” Azevedo. E, contraditoriamente, em páginas pré-textuais, indica ser o volume 7 das Obras Completas de Aluísio Azevedo, além de na folha de rosto reproduzir a assinatura autógrafa do autor. Pelo visto, desencontros que em nada contribuem para que as pessoas em geral saibam ao certo qual o nome literário do romancista de O mulato.
Na estrada que vai para o aeroporto do Tirirical, à altura da rotatória em cujo centro existe uma imagem de São Cristóvão, havia uma escola estadual denominada Aluísio “de” Azevedo. Incomodado com a má lição que o estabelecimento de ensino ministrava a seus alunos a partir do nome nele estampado, pedi à confreira e amiga, professora Ceres Costa Fernandes, que então exercia função relacionada com o assunto, a correção do erro. A providência foi prontamente adotada. Hoje, esse estabelecimento de ensino está realocado para outro ponto do mesmo bairro. Faz poucos dias, fui vê-lo e voltei satisfeito por ter encontrado um prédio amplo, aparentemente bem cuidado e corretamente denominado: Unidade Isolada Aluísio Azevedo.
Engana-se quem pensar que terminaram os problemas com o nome do romancista. Na citação de seu nome completo, algumas fontes lhe adicionam um inexistente “Belo”, que se teria originado de seu pai. Bem apessoado, sempre trajado com esmero, foi, por isso, popularmente cognominado Davi, o Belo. Tomando o cognome por sobrenome do pai, alguns operaram a descabida transferência para o filho. E casos houve em que adornaram de “Belo” também Artur e Américo. Nesse ponto, apresso-me a acusar-me: seguindo erros alheios, cometi também os meus. Razão porque se lê em minha Bibliografia crítica da literatura maranhense (1972), que pelo visto não é tão crítica assim: Aluísio Tancredo “Belo” Gonçalves de Azevedo.
A par do cognome do pai, deverá ter concorrido para o equívoco a fato, indiscutível, de Aluísio Azevedo ser, um homem bonito.
Enganos outros ainda existem, porém não há espaço para arrolá-los todos. Encerra-se este tópico apenas indicando que dão a mãe do escritor como sendo maranhense, e como se lê em certos livros seus, quando é sabido que dona Emília Amália era portuguesa de Lisboa. Também erram na citação de suas obras, aparecendo O touro negro ora como crônicas, ora como romance. Mas na verdade esse livro póstumo de Aluísio compõe-se de crônicas, perfis literários e correspondência ativa a 20 destinatários. Se esse mundaréu de “gralhas” encontro em meu acervo aluisiano, imagine-se quanto será possível recolher da bem maior coleção de Lourival Serejo, com certeza a mais opulenta que aqui existe.
Lembrando Aluísio Azevedo
Roda Viva - Benedito Buzar
Dia 21 de janeiro de 1913, portanto, há cem anos, falecia em Buenos, Aires, onde ocupava o cargo de cônsul, o maranhense Aluísio Azevedo.
Nascido a 14 de abril de 1857, filho do cônsul português David Gonçalves de Azevedo e de Dona Emília Amália Pinto de Azevedo e irmão mais novo do teatrólogo Artur Azevedo.
Da infância à adolescência, Aluísio estudou em São Luís e trabalhou no comércio. Desde cedo revelou interesse pelo desenho e pela pintura. Em 1876, trocou São Luís pelo Rio de Janeiro e matriculou-se na Imperial Academia de Belas Artes, onde aperfeiçoou a técnica de fazer caricaturas, que as vendia aos jornais cariocas, receita com a qual passou a sobreviver.
Em 1878, com a morte do pai, retornou para São Luis, a fim de tomar conta da família e começar a sua carreira de escritor, com a publicação do romance “Uma lágrima de mulher”, e escrever no jornal anticlerical, O Pensador, que defendia a abolição da escravatura.
Em 1881, lança o romance O Mulato, que escandalizou a sociedade maranhense, pela crua linguagem naturalista. A reação ao livro, que combatia o forte preconceito racial, fez Aluísio deixar a cidade natal e retornar ao Rio de Janeiro, onde o romance obteve enorme aceitação da crítica e do público, razão que o levou a dedicar-se à carreira de romancista.
Aluísio registrou no prefácio da terceira edição de O Mulato, fatos que revelam a repercussão de seu mais famoso e polêmico romance, no Maranhão, onde o livro foi recebido pelos seus conterrâneos com restrições, e, no resto do país, de maneira alvissareira.
As amarguras do romancista começam com o relato da censura de alguns escritores brasileiros pelo uso de certos termos e locuções usados em São Luis e trazidos de Portugal. Disse ele: “... em São Luis do Maranhão são frequentes certas expressões à moda de Portugal, e aquilo, pois, que se lhe afigurou macaqueado de C. Castelo Branco era simplesmente copiado do natural, assim é que lá se diz, por exemplo: sapatos de polimento e não sapatos de verniz: quinta e chácara, rebuçados e não balas, caneco e não barril, etc; como também se empregam palavras de todos desconhecidas no Brasil, e creio que em Portugal, mas que por lá, na minha província, são muito comuns: Muruchaba, Pinincha, Puça, Enzoneira, Côfo, Empanemar, Moquear e mil outras estão neste caso”.
Em seguida, manifesta as boas intenções que teve ao escrever o romance, mas sem imaginar o efeito terrível que o mesmo causaria na sociedade maranhense. Muito embora, antes de publicá-lo, tivesse levado ao conhecimento de dois grandes amigos que possuía em São Luís, Fernando Perdigão e Virgílio Cantanhede, que os advertiram quanto aos ressentimentos que o livro poderia produzir na província.
Nesse particular, Aluísio adianta o sucesso alcançado por O Mulato, especialmente no Rio de Janeiro, onde o livro recebeu elogios de renomados intelectuais, mas não esconde a mágoa de que na sua província o silêncio em torno do livro foi total.
Além do mutismo, foi também agredido e vilipendiado por um dos mais importantes redatores do jornal “Civilização”, Euclides Faria, que, no dia 23 de julho de 1981, publicou violenta catilinária contra o romancista, do qual extraímos os trechos abaixo.
“É muita audácia, ou muita ignorância, ou ambas as coisas ao mesmo tempo! É contar de mais a ignorância dos leitores, com a benevolência da crítica nacional, e julgar os outros por si. Para que o autor de O Mulato desse a medida exata de seu realismo devia abandonar essa vidinha peralvilha de escrivinhadelas tolas. Vá para a foice e o machado! Ele que tanto ama a natureza, que não crê na metafísica, nem respeita a religião, que só tem entusiasmo pela saúde do corpo e pelo real sensível ou material, devia abandonar essa vidinha de vadio e escrivinhador e ir cultivar as nossas ubérrimas terras. À lavoura, meu estúpido! À lavoura, precisamos de braços e não de prosas em romances! Isto sim é real. A agricultura felicita os indivíduos e enriquece os povos! À foice e à enxada!”
Aluísio Azevedo, conquanto incompreendido e ressentido, não se deixou abater com as diatribes de seu conterrâneo, Euclides Faria, ao contrário, continuou a sua atividade romanesca, oferecendo ao Brasil numerosas obras de incomensurável valor literário. Ao jornalista maranhense, no próprio prefácio da terceira edição de O Mulato, desabafou: “Como se vê não segui o conselho do jornalista de minha província, que se dignou criticar o meu primeiro livro: não quebrei a pena, nem me atirei à lavoura; vim simplesmente para a Corte, graças ao produto pecuniário do amaldiçoado O Mulato, e continuei a escrever, a fazer novos volumes, um atrás do outro, sem descansar. E agora, que oito bons anos se escoaram depois que parti de Atenas, durante os quais tenho vivido pura e exclusivamente das minhas produções literárias, apesar de que o governo jamais protegeu a quem escreve neste país, agora que o Mulato vem à tona da publicidade e agora que ele já não pertence à província nenhuma, mas sim ao público do Rio de Janeiro, a quem devo tudo; agora, é com maior prazer que deponho esta nova edição aos pés desta querida terra, em que nasci e não posso deixar de amar, e lhe peço reverentemente, que o recolha com carinho entre as obras de pouco mérito que lhes são consagradas”.
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