(foto Douglas Júnior)
Com o ritual do levantamento do mastro, no fim da tarde de ontem, foi aberto oficialmente o festejo em homenagem ao Espírito Santo.
André Lisboa
Enviado Especial
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Alcântara - Sagrado e profano se entrelaçaram mais uma vez pelas
ruas da cidade centenária de Alcântara, ontem, durante o ritual de levantamento
do mastro, que marca o início – para o grande público – da Festa do Divino
Espírito Santo. Moradores, turistas e festeiros percorreram as vielas
alcantarenses renovando por mais um ano a tradição de uma das mais belas
manifestações religiosas e culturais do Maranhão, trazida pelos portugueses ao
Brasil.
No início da noite, o levantamento do mastro na Praça da Matriz
sinalizou a instauração de um novo império, que este ano é regido pela
Imperatriz Domingas Ribeiro, ao lado da mordoma régia Karina Waleska Scanavino.
A corte é formada por nove festeiros, contando a regente, a mordoma principal,
mordomos baixos e demais vassalos. A população da cidade recebeu a primeira
manifestação do reinado com festa, música e euforia.
Das margens do Rio do Peptal, em uma área mais distante da
cidade, o mastro, oriundo de uma pericurana, foi revestido na tarde de ontem com
folhas de murta. A preparação segue os ensinamentos da tradição desde os
primeiros momentos da festa. “Quando eu tinha 11 anos de idade, comecei a
acompanhar a festa e a preparação do mastro. É claro que muda um pouco, mas
aprendi tudo com os brincantes mais velhos. Assim é que tudo funciona e se
mantém o Divino. Os ensinamentos passam de geração a geração”, afirma seu Lienio
Pinheiro, um dos preparadores do mastro.
Cortejo - Depois de ornar o tronco de pericurana com os ramos de
murta, ele ata cordas em toras de madeira com as quais os homens carregarão o
mastro em cortejo pelas casas dos festeiros, sinalizadas por bandeirolas que
cortam as ruas. “Se não for assim, as coisas não funcionam. Não há como prestar,
se a festa não seguir a tradição”, admoesta Lienio Pinheiro, que aos 72 anos
afirma já estar ficando cansado e não tem mais tanto pique para seguir toda a
caminhada.
Mas, se a força tem se esgotado para ele, sobra disposição aos
50 homens que iniciam o levante do mastro e sua peregrinação pelas ladeiras da
cidade histórica. Leonardo Silva, um daqueles que enfrentou a prova de força,
participa pela segunda vez do ritual. “Sinto-me muito gratificado. Acho que
temos a nossa parte na brincadeira, mostrando a nossa força e nosso respeito em
manter este momento único”, afirma.
Ao saírem do porto, onde o mastro foi preparado, os carregadores
começam as visitas às casas dos nove festeiros que integram a corte deste ano.
Eles arrastam uma multidão de pessoas ao som de uma fanfarra descontraída,
tocando marchinhas de Carnaval, tendo à frente o toque das caixeiras. “É nesse
ponto que podemos ver a festa unindo as duas faces da vida: o sagrado e o
profano. Sempre foi dessa forma e sempre será. São duas vertentes que completam
a nossa existência”, analisa o Péricles Rocha, artista plástico maranhense.
Há anos morando em Alcântara, ele acompanha do alto da subida da
Rua Neto Guterres a movimentação. Péricles Rocha é um especialista nas
manifestações folclóricas do estado, pesquisando e criando pinturas que abordam
sempre temas ligados à religiosidade e à cultura. Na visão do artista sobre o
profano, destacam-se os carregadores e a banda com naipes de metais – trompete,
trombones, pistão e saxofone – e tambores.
O turista paulistano Hélio Garcia, que estava passando férias em
São Luís, atravessou o Boqueirão para conhecer de perto a Festa do Divino
alcantarense. Ele conheceu a manifestação religiosa por meio do Guia Quatro
Rodas, mas não ficou convencido. “Somente decidi vir a Alcântara quando ouvi, em
São Luís, elogios que me falavam da beleza da festa ”, diz ele.
Esforço - Os homens carregam o mastro e ainda sustentam também o
peso de crianças que ficam sentadas sobre o tronco de pericurana. Quando o
acúmulo do esforço já começa a ficar expressado nos rostos, eles dobram a rua do
Sobrado do Império do Divino, onde a Imperatriz prepara-se para a recepção dos
festeiros. Domingas Ribeiro ergueu um altar com ajuda do artífice José da
Conceição Araújo, o conhecido Zelão. “Este ano iniciamos uma preparação que
envolveu toda a comunidade alcantarense. São cerca de 200 pessoas que participam
da festa, ajudando nas casas, no trabalho de preparar a comida e na arrumação”,
afirma ela.
A inspiração para o altar da Imperatriz foi a parte principal da
Igreja Nossa Senhora do Carmo, onde será realizada a missa que dá início à
programação religiosa da Festa do Divino Espírito Santo, na manhã de hoje. Até o
Domingo de Pentecostes, serão realizadas recepções com distribuição de bebidas e
doces nas casas da mordoma régia e dos vassalos. As visitas à sede do Império
serão outra atração da programação.
Devoção por diversas etapas da festa
A mordoma régia Karina Waleska Scanavino, de 44 anos, é uma
devota da Festa do Divino Espírito Santo, desde quando chegou à cidade na década
de 1980. Atualmente, ela dirige a Casa Histórica de Alcântara, mantida pelo
Instituto Brasileiro de Museus (Ibram).
Karina Scanavino já passou por diversas etapas da Festa do
Divino antes de chegar ao segundo principal posto de toda a manifestação. Ela
começou na ajuda da preparação das casas, tornou-se mordoma baixa e agora sonha
em ser imperatriz.
“Todo ano o mordomo busca recursos, mobiliza a comunidade e
conversa com o Poder Público para levantar meios de fazer a festa. A cada ano a
festa tem sofrido uma leve perda, que tem se acumulado, e isso nos preocupa.
Falta divulgação e um pouco de empenho”, lamenta ela, que só comenta o problema
a muito custo e com desconfiança.
Por outro lado, um aspecto positivo da festa é a renovação das
gerações das caixeiras do Divino. Dona Anica Ferreira, 91 anos, e Marlene Silva,
a dona Malá, 85, são duas das mais antigas. “A vida para nós está sempre mais
difícil, mas tem gente nova aparecendo, apesar de serem muito poucas as
interessadas em manter a tradição”, afirma Dona Anica Ferreira.
Uma das representantes desse momento de renovação da festa, que
segue um ritmo lento, é a jovem Claudilene Pereira. Ela se tornou caixeira
depois de brincar como bandeirinha da mordoma régia por diversas vezes. “O
convite veio das minhas tias, que são as duas caixeiras mais antigas. Para mim,
é uma honra que quero carregar por toda a minha vida”, planeja.
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