Peço a todos os Santos, Orixás e
Voduns dessa enorme Encantaria que é o Maranhão para proteger e
preservar os sons mágicos e envolventes de seus tambores e tambozeiros,
especialmente a saúde do Amigo Papete Viana, para que ele continue a
alegrar as nossas vidas com sua maviosa arte.
Em viagens pelas plagas maranhenses, no
ano de 2015, tive a grande satisfação de conhecer e privar da amizade de
um ilustre maranhense, uma lenda, um mito da Musica Popular Brasileira:
o percussionista, compositor, cantor e pesquisador Papete Viana.
(Como bom maranhense, Papete tem como
nome de pia José de Ribamar, mas ele alerta que termina por aí a
coincidência com um conhecido homônimo conterrâneo…)
Papete dispensa apresentações. Eleito,
nos anos 1980, o melhor percussionista do globo terrestre, ele é figura
marcante no cenário cultural brasileiro. A sua produção artística
começou a ser divulgada no legendário ‘selo “Discos Marcus Pereira” — um
selo independente de música regional e música popular brasileira — e
continua profícua ao longo de mais de quatro décadas.
O “Dicionário Cravo Alvim da Música
Popular Brasileira” registra que Papete foi músico em shows de Toquinho e
Vinicius de Moraes e, com o falecimento do ‘Poetinha Camarada’
continuou a acompanhar Toquinho em 482 shows, em turnê por 18 países.
Papete atuou em shows e gravações com
Rosinha de Valença, Marília Medalha, Hermeto Pascoal, Osvaldinho da
Cuíca, Benito de Paula, Inezita Barroso, Diana Pequeno, Renato Teixeira,
Almir Sater, César Camargo Mariano, Rita Lee, Sadao Watanabe, Ângelo
Branduardi, Andreas Wollenweider, Ornella Vanone e Alex Acuña.
Todavia, quero destacar aqui a dimensão humana desta celebridade: gentil, cortês, cativante, solícito e amigo.
Naqueles dias do sempiterno verão
maranhense, conversamos sobre tudo, e Papete me deu uma iniciação básica
do que é o Maranhão e a sua capital, esta grande e caliente urbe nordestina da qual ele é a sua mais completa tradução.
Papete é um bom gourmet, e ao saber que
era nossa primeira incursão naquele rincão nordestino — este que vos
escreve e, claro, a minha muito amada Cecília — nos deu um minucioso
roteiro gastronômico da rica e variada culinária lá da ‘Ilha do Amor’ —
como uma amiga grávida e de bem com a vida denominou aquela encantadora
Cidade.
Pois vamos lá. Provei do ‘Arroz de Cuxá’
após Papete recitar a receita do refogado. O refogado é uma das
principais técnicas da culinária que os portugueses espalharam pelo
mundo, durante o processo de colonização.
— Doure a cebola e depois coloque o
tomate, o pimentão e o camarão seco. Deixe fritar por uns cinco minutos;
adicione a vinagreira, que deve estar batida ou cortada na faca.
Acrescente o leite de coco, o gergelim torrado e, por último, misture ao
arroz já previamente cozido. Bom apetite!
Provado e aprovado.
Quando soube que visitaríamos o Santuário religioso de São José de Ribamar, Papete exclamou:
— Comam peixe-pedra!
O apetitoso pescado recebeu este nome
porque costuma se esconder dos ardilosos pescadores no fundo do mar, por
entre as locas e pedras das águas escuras do litoral daquela mística
Cidade, guarnecida pelo ‘Santo de Botas’: São José do Arribamar.
E por falar em peixe, já que se trata de
uma Ilha, o músico maranhense recomendou almoçar um apetitoso robalo no
Restaurante de Dona Roxa no Mercado Municipal, Centro Histórico de São
Luís… Dona Roxa já não se encontra neste mundo, encantou-se. Porém,
fomos bem recebidos por sua filha e sucessora na arte culinária, Dona
Roxinha — e netas.
Tem mais: de sobremesa sorvemos a
Jussara… Não, Jussara não é uma jovem e graciosa “ludovicense” —
estranho nome que se dá aos nativos de São Luís… Jussara é o sinônimo
que se usa para a deliciosa fruta açaí…
Na Cidade Histórica de Alcântara, Papete recomendou:
— Não deixem de provar o “Doce de Espécies de Alcântara”.
Feito!
Em badalado e sofisticado restaurante
praieiro de São Luís, já apreensivos de subir em balança de farmácia,
comemos apetitosa ‘Carne de Sol de Carneiro’, ótima dica do célebre
Amigo.
O melhor ainda estava por vir… e fomos
lá. Os notívagos e boêmios “ludovicenses” costumam terminar a longa
noite de folguedos fazendo refeição nos inúmeros trailers que
se espalham pelas calçadas e praças de São Luís. Nestes botecos
improvisados, famoso é o “Arroz de Papete” — cuja receita é um mistério
guardado a sete chaves. Visite São Luís e conhecerás.
Livro-álbum “Os senhores cantadores, amos e poetas do bumba-meu-boi do Maranhão”
Nos últimos anos, Papete Viana esteve
empenhado na realização de um extraordinário Projeto Cultural intitulado
“Os senhores cantadores, amos e poetas do bumba-meu-boi do Maranhão”,
voltado ao registro, resgate e preservação da memória da maior
manifestação cultural do Maranhão através de seus personagens principais
que dão titulo ao trabalho.
O Projeto se tornou uma das mais
importantes missões da vida do artista: resgatar a vida e a obra desses
anônimos cantadores. O trabalho de pesquisa resultou no livro-álbum “Os
senhores cantadores, amos e poetas do bumba-meu-boi do Maranhão”, que
possui fotos, textos de pesquisadores, um resumo sobre a obra dos
cantadores de acordo com o sotaque e um glossário com termos usados na
brincadeira, e vem acompanhado de DVDs com entrevistas dos cantadores e
um CD com toadas que marcaram época.
O mítico e mágico universo da Encantaria do Maranhão
Nestes dias de longas conversações, o
Amigo Papete Viana iniciou-me no mágico e místico universo da Encantaria
Maranhense e as histórias do Tambor de Mina, com suas extraordinárias
deidades e entidades da cultura e religiosidade europeia, africana e
ameríndia.
No Maranhão circulam várias narrativas
relacionadas ao mito do Navio Encantado de Dom Sebastião, que é visto
pelos viajantes no local conhecido como Boqueirão, no Golfão
Maranhense. Há também a lenda do Navio Encantado de Dom João, que era
visto pelos frequentadores do antigo Terreiro do Egito (Tambor de Mina)
no local próximo ao Porto do Itaqui em São Luís. Há igualmente o mito
da Princesa Iná, filha do rei Dom Sebastião, que ficou revoltada
quando seu Palácio, no fundo do mar, foi perturbado pela construção do
Porto do Itaqui.
Papete narrou-me a surpreendente e
misteriosa história de que, durante a construção do Porto do Itaqui, em
São Luís, aconteceram diversos acidentes graves e alguns escafandristas
morreram.
Pais-de-santo do Tambor de Mina
divulgaram a notícia que o Porto era o local da Encantaria da Princesa
Iná, filha do rei Dom Sebastião e que a Princesa estava revoltada, pois
seu Palácio, no fundo do mar, fora perturbado pelas obras e por isso
escafandristas estavam morrendo.
Para acalmar a ira da Princesa, aqueles
religiosos prometeram oferecer sacrifícios e organizar uma grande festa,
reunindo representantes de diversos terreiros na Praia do Boqueirão,
próximo ao local. Foi o que ocorreu em 1970, com ampla repercussão na
mídia e apoio de autoridades municipais — que foi muito divulgado na
época.
Depois disso não ocorreram mais acidentes
na construção do Porto. Entretanto, alguns pais-de-santo dizem que, de
tempos em tempos, as oferendas precisam ser renovadas para evitar
futuros problemas entre o mundo dos vivos e os vigilantes Encantados
maranhenses…
Finalizando, eu peço a todos os Santos,
Orixás e Voduns dessa enorme Encantaria que é o Maranhão para proteger e
preservar os sons mágicos e envolventes de seus tambores e tambozeiros,
especialmente a saúde do Amigo Papete Viana, para que ele continue a
alegrar as nossas vidas com sua maviosa arte.
“Observar sempre, aprender com quem sabe
mais, pesquisar sempre, conhecer a alma das pessoas humildes, entender o
mar, apreciar as chapadas e traduzir as nuvens” (Papete Viana).
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