sábado, 18 de setembro de 2010

São Luís: sonhos, fantasias e realidades


Wilson Pires Ferro
Especial para o Alternativo

Em um exercício mental, conjecturando sobre a nossa bela cidade, imaginemo-la nascida não no século XVII (1612), mas por volta dos meados do século XV, ainda nos idos medievais, contornada por uma imensa e robusta parelha de muralhas de pedras, semelhante às existentes nas cidades de Dubrovinik, na Croácia, Toledo, na Espanha, ou Carcassone, na França, entre outras, a qual principiasse no início do que hoje é a Praia Grande, próxima ao viaduto que dá acesso à Avenida Pedro II, descortinando, na atualidade, os Palácios dos Leões e La Ravardière, com cerca de 2 a 3 km de extensão, contornando todo o centro histórico, com alguns portões secundários de acesso, guardando em seu interior suas estreitas e aladeiradas ruas, seus esquálidos e íngremes becos, suas escadarias, suas praças, seus templos religiosos, seus casarões com frentes azulejadas, telhados sinuosos, beirais artísticos, sacadas indiscretas e mirantes charmosos, enfim, seus monumentos, que pudessem ser vistos e contemplados de determinados pontos da muralha, a qual se fecharia num colossal abraço em um portão principal, no ponto onde havia se iniciado.

Ainda no terreno dos sonhos e fantasias que fazem bem aos amantes da terra, aos saudosistas, imaginemos poder percorrer todo esse cenário em pitorescos e seguros veículos que já existiram no passado – os bondes –, os quais desapareceram por um equívoco dos governantes da época, em nome do progresso, que constrói, mas também destrói. Cabe aqui ressaltar que cidades que alcançaram maior progresso do que São Luís, citando como exemplos San Francisco e Dallas, nos Estados Unidos, Oslo, na Noruega, Copenhague, na Dinamarca, e Viena, na Áustria, dentre dezenas de outras cidades, ainda hoje utilizam o bonde como meio de transporte e atração turística.

É evidente que, dando vazão a esse exercício de imaginação, hoje, a cidade moderna, que se estenderia para além das hipotéticas muralhas, diferentemente da típica cidade antiga, guardada por estas, é que pareceria guardar tais muralhas, formando-se ao seu redor. Assim são as cidades amuralhadas espalhadas pelos continentes, notadamente pelo europeu.
Entretanto, São Luís não tem e nunca teve muralhas, não é uma cidade medieval. É moderna ou moderna contemporânea.

Franceses - Ainda mergulhados no túnel do tempo, transportemo-nos aos primeiros anos da segunda década do século XVII, mais precisamente ao mês de setembro de 1612. Podemos observar o nobre francês Daniel de La Touche e seus compatriotas saltarem de suas embarcações, subirem a colina do lado do prédio da Capitania dos Portos, até alcançarem o topo da elevação, onde se erguem, em nossos dias, os palácios dos governos estadual e municipal, e aí fundando a cidade, após se confraternizarem com os primitivos habitantes da terra – os marañaguaras, seus parceiros na construção de uma rústica povoação.
No primeiro momento, os intrépidos gauleses cuidaram da ereção de um forte, ao qual deram o nome de São Luís, em homenagem ao seu Rei Luís XIII; de um porto para atracamento dos navios, ao qual batizaram de Santa Maria, em tributo à Rainha Mãe Maria de Médicis, regente na menoridade do filho; de um convento para abrigar os missionários religiosos; de um armazém, para guarda de mantimentos; de casas de moradores de até dois pisos para abrigar cerca de 500 franceses que faziam parte da expedição; enfim, de uma estrutura mínima que pudesse caracterizar um núcleo populacional – uma cidade, tudo isso aproveitando o material existente na terra – a folha da palmeira de babaçu e a mão-de-obra indígena. Os limites dessa rústica povoação não iam além da Av. Pedro II, Praças Benedito Leite e João Lisboa, Rua do Egito, inícios da Praia Grande, alcançando a Igreja e Seminário Santo Antônio, onde provavelmente se ergueu o Convento de São Francisco.

São Luís poderia ter se desenvolvido, transformando-se em uma cidade tão ao gosto dos franceses, com arcos, como o do Triunfo, torres como a Eiffel, pontes sobre o Rio Anil, semelhantes às do Rio Sena, mas eles não tiveram tempo, só passaram aqui três anos (1612-1615), sendo expulsos pelas tropas luso-espanholas, visto que, na época, Portugal, do qual o Brasil era colônia, estava sob o domínio da Espanha, sob a égide da União das Coroas Ibéricas (1580-1640).

Apesar desses 60 anos de domínio da Espanha, nada aconteceu na capital da Capitania do Maranhão que pudesse marcar a presença espanhola. Apenas o Forte São Luís, por algum tempo, foi chamado de São Filipe. Para os maranhenses, Portugal era a Metrópole de fato e de direito. Não há como imaginar São Luís, que poderia ser São Filipe, uma cidade espanhola, com castanholas, sapateados e touradas. Aqui, os bois constituem sadias brincadeiras que fazem parte da cultura do povo, são figurações que morrem brincando e dançando após a época junina. Não são animais verdadeiros que morrem lancetados cruelmente por toureiros, sob aplausos de uma torcida fanática.

Holandeses -Em 1640, Portugal emancipou-se da Espanha e, em conseqüência, a Capitania do Maranhão e evidentemente sua capital voltaram ao domínio lusitano, que durou pouco, pois os holandeses, sob a chefia de Maurício de Nassau, eram senhores de grande parte do Nordeste Brasileiro, com sede do governo em Recife, Pernambuco. Objetivando expandir esse domínio em novembro de 1641, 18 naus fundearam em frente do Desterro, delas desembarcando centenas de holandeses, sob o comando do almirante Jan Cornelizoon Lichtard, os quais, de maneira arrogante e torpe, tomaram de assalto São Luís, saquearam-na, confiscaram mantimentos e fundos monetários, cometeram roubos e atentados à vida das pessoas e à honra das mulheres, sem contar os engenhos de açúcar localizados em interiores próximos, de que se apossaram. Mas eles, que só vieram aqui para obter grandes lucros com a cana-de-açúcar, com a atitude arrogante conseguiram granjear a antipatia e a revolta dos maranhenses, os quais, com o apoio dos lusos, moveram-lhes resistência tenaz e sem trégua, até lograrem a vitória final e a sua expulsão. Os batavos causaram revolta à população e dominaram a cidade por um curto período (1641-1644). Como marca de sua passagem, deixaram um sobradão no Desterro, conhecido como Palácio dos Holandeses. Seria difícil aceitar pacificamente uma São Luís batava, considerando que a cidade foi maltratada por estes conquistadores.

O ciclo da cana-de-açúcar contribuiu para a proliferação de engenhos de açúcar tanto em São Luís como em cidades do interior, notadamente as mais próximas; e o algodoeiro motivou o empresariado à implantação de um parque industrial têxtil, com estabelecimentos fabris em Codó, Caxias e, principalmente, São Luís, os quais deram algum impulso à economia do estado. Por cerca de mais de três quartos do século XIX, compreendendo aí as últimas décadas do Período Colonial e todo o Imperial, a economia maranhense experimentou acentuado desenvolvimento, a ponto de São Luís haver sido cognominada de a Manchester Brasileira e de se alçar à quarta posição em importância no concerto das capitais do país. Este último foi o mais florescente para a economia maranhense, foi no curso deste que foi edificada grande parte dos casarões e sobradões de até quatro andares que formam a cidade antiga, jóia preciosa que todos nós maranhenses desejamos preservar e que os turistas anseiam por visitar e conhecer.

Futuro - Não são mais aceitas as críticas daqueles insensíveis a tudo o que é antigo, dos que sentem ojeriza ao passado, dos que diziam ser São Luís uma ilha cercada de velharias por todos os lados, daqueles que achavam que a nossa cidade só poderia se tornar bela e atraente se os sobradões antigos fossem demolidos para darem lugar aos edifícios de muitos andares, comerciais ou residenciais. A capital maranhense, sem perder as suas características antigas, o seu charme colonial e imperial, está sintonizada com o futuro, também se moderniza a cada ano, satisfazendo assim aos que apreciam a arquitetura hodierna.

A cidade, limitada, até há algumas décadas passadas, praticamente ao centro histórico e ao espigão viário que passava pelo Areal (Monte Castelo), João Paulo, Jordoa, Filipinho e ia até o Anil, passou a ocupar outros espaços. Atravessou a Ponte São Francisco – construída no governo Sarney –, passou pelo bairro do mesmo nome e ganhou a direção das praias da Ponta d’Areia, São Marcos, Calhau e adjacências, até alcançar a do Olho d’Água e mais adiante a do Araçagy. Logo se construíram largas avenidas, e nelas ergueram-se não espigões sem expressão, mas belos edifícios comerciais e residenciais, dentro dos mais modernos padrões. A cidade não parou de crescer, horizontalizou-se e verticalizou-se, surgiram novos bairros e novos conjuntos residenciais e, interligando estes ao centro histórico, modernas avenidas, entrecortadas de viadutos, eliminando cruzamentos e aproximando as distâncias.

Não faz muito tempo, as praias eram logradouros isolados, havendo aquelas pouco frequentadas, distantes do centro e dos bairros, por falta absoluta de transporte e de acessos viários. Com a construção de avenidas e viadutos, as distâncias foram reduzidas, as praias ficaram mais próximas.

São Luís foi uma cidade marañaguara (até 1611), francesa (1612 a 1615), espanhola (1580 a 1611 e 1616 a 1640), holandesa (1641 a 1644) e portuguesa (1645 a 1822), e hoje é brasileira, maranhense, republicana, guardando características do seu passado colonial e imperial, cujas linhas arquitetônicas do seu casario identificam-na como a mais portuguesa das capitais brasileiras. E, para certificar essa semelhança, há uma Rua Portugal e um conjunto de edificações que lembram Lisboa e outras cidades lusitanas.

Em nossos dias, graças à conscientização da sociedade, promovida pelas autoridades governamentais, pela Universidade, com amplo apoio dos setores culturais e da imprensa, já há quase unanimidade quanto à necessidade de preservação do patrimônio artístico e arquitetônico. As cidades antiga e moderna convivem pacificamente. Uma completa a outra. As duas formam a São Luís que amamos, que acabou de completar 398 anos.


Wilson Ferro é professor aposentado e ex-Diretor do IFCH, da UFMA, e associado da União Brasileira de Escritores-UBE





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