terça-feira, 24 de novembro de 2009

O Maranhão dos Libaneses




Bruno Gouveia
Da equipe de O Estado

Com passos lentos, porém firmes, e uma voz contundente, João Elias Mouchrek, de 99 anos, recepciona O Estado em sua casa para contar as suas experiências e lembranças de um período em que no Maranhão, especialmente em São Luís, como ele mesmo afirma, “dezenas de famílias libanesas formavam uma só, debaixo do teto do Maranhão”.

Filho do imigrante libanês, Elias Miguel Mouchrek, João Mouchrek veio ao Brasil e primeiro se instalou em Teresina (Piauí), em 1902, para trabalhar. Quando o pai decidiu voltar ao Líbano, constituiu casa e negócio próprio, mas se viu obrigado a voltar ao Brasil quando a Primeira Guerra Mundial estourou, em 1910. Ao retornar, se instalou em São Luís. João Mouchrek tinha 10 anos. “Meu pai foi trabalhar na loja Otomana, na Rua Grande, e somente duas lojas eram brasileiras, a Pernambucanas e a Rio Anil. Morávamos em sobrado, em um casarão onde se localizava a antiga loja Mesbla. Éramos nós e mais duas famílias, todos parentes”, recorda.

Nas palavras de Mouchrek, a tradição milenar dos antigos fenícios é contundente sempre quando destaca o trabalho que os libaneses promoveram no comércio e na indústria da capital, trabalho que foi a parte mais importante da sua vida. “Quis ser militar. Meus pais não deixaram! Quis fazer concurso. Meus pais não deixaram! Foi quando, por meio do meu primo, consegui trabalhar na Praia Grande, na firma Chames Aboud S/A Comércio e Indústria. Na época, a maior firma do estado do Maranhão. Foi onde eu trabalhei por 50 anos e o que me incentivou a seguir carreira e me formar como contabilista na Academia Maranhense de Comércio. E por tantos serviços prestados, já recebi prêmio da Associação Comercial do Maranhão e o título de Cidadão Ludovicense pela Câmara Municipal de São Luís”, destaca.

A família Mouchrek é uma das várias que migraram para o estado, desenvolveram o comércio varejista e iniciaram um parque de indústrias têxteis no estado. Os Jorges, Murad, Mettre, Salomão, Ázars, Farah, Damous, Fiquene, Mubarack, Buzar, Bôeres, entre outros, chegaram ao estado pelo interior ou direto pela capital, mas todos foram marcantes para o desenvolvimento comercial na região em que se instalaram. A qualidade dos serviços e a perícia para negociar eram o grande diferencial e destaque, além da esperteza para os negócios. “Ocupávamos toda a Rua Grande e muitos que vinham do interior e traziam suas famílias para fazer compras na capital não tinham lugar para ficar. Daí, os libaneses, por muitas vezes, hospedavam os visitantes em hotéis da cidade e depois tiravam o preço na mercadoria”, conta.

A esperteza no comércio rendeu um apelido, na opinião de João Mouchrek, desagradável. “Muitos nos conheciam como carcamanos, do italiano ‘carca la mano’, que queria dizer ‘aperta a mão’, nesse caso, apertar a mão no preço dos produtos. Apesar disso, o libanês é um povo justo, que sabe negociar”, justifica.

No interior do estado, o destaque era a figura do mascate, que viajava pelo interior vendendo mercadorias. “O mascate era diferente da família, pois não tinha lugar certo. Eles viajavam por todo esse interior, mas quando conseguiam juntar um bom dinheiro logo eles se firmavam em um lugar”, observa.

Influências – Bem mais que o comércio, a influência dos libaneses foi forte em diversos aspectos da história do estado. João Mouchrek foi sócio proprietário de três clubes na capital: do Cassino, do Lítero e do Jaguarema. “Fazíamos bailes de Carnaval e festa de fim de ano. Eram todas muito bonitas e marcantes”, rememora. “Já ouvi dizer que até o uso da matraca na brincadeira de boi teve a influência dos mascates, que quando vendiam suas mercadorias usavam pedaços de madeira para atrair os clientes. Ouvi dizer!”, acrescenta. “Acredito que além do jeito para os negócios, o maranhense aprendeu muito com a cordialidade do libanês. Durante toda a nossa história fomos povos cordiais”, enfatiza Mouchrek.

Na história, o nome Mouchrek já está mais do que marcado. Ele, com mais de 100 motociclistas, fundou, no dia 13 de setembro de 1937, o Moto Clube. “Sou o único fundador vivo. Fui goleiro, com o Simão, mas não pude continuar, em função do trabalho no armazém. Foram dois anos muito felizes”, comenta.

História – O movimento de migração de libaneses não teve um período determinado no Maranhão. Não se sabe precisar quando ocorreu a vinda dos primeiros imigrantes. Os relatos contam que dos que vieram para o estado, muitos já tinham familiares morando em alguma região. “Os motivos da vinda dos libaneses são diversos. Desde o século XIX, podemos observar libaneses migrando em função da opressão mulçumana do Império Turco, ou, mais adiante, em função da Primeira Guerra Mundial”, afirma o historiador Manoel de Jesus Martins.

Ele acrescenta que o processo migratório para o Maranhão levou muitas famílias libanesas para a região dos vales dos rios. “O que motivou a instalação dessas famílias nas proximidades dos rios foi o comércio mascateiro. Com o tempo, as famílias firmavam comércio nos municípios e se tornavam sedentárias, progrediam financeiramente e chegavam até a capital”, comenta.

As famílias mais conhecidas que fizeram a vida no interior e seguiram para a capital, Manoel de Jesus, destaca: as famílias Abdalla e Tomé em Timbiras; em Rosário Chames Aboud, Farah, Fiquene, Saback; Caxias e Itapecuru-Mirim, os Murad e Mettre; os Haickel em Pindaré, e muitos outros.

Manoel de Jesus destaca que muitos libaneses não gostam de serem identificados como sírio-libaneses, tanto pela história bíblica quanto pela disputa de poder na região. “Essa questão da identidade está muito ligada à formação de suas nações, que tem origem bíblica desde Abraão, e também por que o Líbano e a Síria são dois territórios distintos. A única coisa que os aproximava era a tutela do Império Turco e as relações comerciais. Além disso, boa parte dos imigrantes saiu da região e o território do país Líbano ainda não estava definido”, explica.

Como a migração dos libaneses foi gradual, a influência cultural não foi ostensiva. Aos poucos, eles foram se adaptando à região. Não se configurou a idéia de formação de colônias, fechada e circunscrita em um determinado espaço. “Por isso, ainda no século XIX se percebe que os libaneses já se consideravam maranhenses”, complementa Manoel de Jesus.

Apesar de se apresentar de forma muito mesclada a cultura dos libaneses ao cotidiano do maranhense, o historiador Manoel de Jesus salienta que alguns elementos, como o papel da mulher e a educação, eram diferentes dos costumes portugueses e brasileiros que já viviam no estado. “A mulher libanesa teve um papel fundamental para o crescimento do povo libanês. Elas não se restringiam ao lar. Muitas eram as que tomavam de conta das casas comerciais em São Luís, e no interior. Diferente da cultura européia, onde a mulher se limitava aos cuidados do lar e educação da prole”, diferencia Manoel.

“Os libaneses tinham uma preocupação bem salutar no aspecto da educação. Muitos, apesar de serem comerciantes, investiam para que seus filhos se formassem em algum curso superior, como Medicina e Direito, e alimentavam a cultura do empreendedorismo. Não por acaso, se vê muitos descendentes médicos, advogados, políticos, e sempre em posição de destaque no cenário local”, pondera.
A cultura do libanês se caracteriza por ser muito amistosa. No entanto, em função de seu crescimento local, muitos maranhenses tinham receio pelas suas atividades comerciais. As famílias libanesas, por serem muito próximas, casavam entre si. Mas com o tempo, a necessidade de aproximação com as famílias locais foi necessária. “O casamento com famílias locais foi, sem dúvida, uma forma de inserção social. Pois muitos ainda viam os libaneses e descendentes com certo preconceito, mas o crescimento destes imigrantes quebrou muitas barreiras”, afirma. “Além do casamento, o investimento na formação dos filhos foi fundamental para que as famílias fizessem de uma vez por toda parte de uma ‘elite’ local”, complementa.

O investimento na formação intelectual dos filhos fez com que, na visão de Manoel de Jesus, a capital fosse o destino. “A capital se tornou um ponto de conquista. A projeção de algum deles os fez entrar na condição disputante do poder político, econômico e cultural”, declara.

O crescimento do libanês passou pelo mascate, pelo comércio e pela indústria. Com o tempo, à medida que foram progredindo, cada família saiu da proximidade dos rios, e muitos trabalharam em fábricas de processamento de amêndoas, como exemplifica o historiador Manoel de Jesus, indústrias como a Oleama e a Conam.

Culinária – Uma das marcas mais presentes dos libaneses no estado é a culinária. José Henrique Tjara Reis, de 51 anos, aproveitou a herança de seu avô José Tjara e de sua mãe Ione Tjara para associar o empreendedorismo típico do libanês com o sabor dos pratos típicos de sua região. Em 1991, José Henrique Tjara abriu em São Luís um dos restaurantes típicos em comida árabe, o Arabian Grill.

“Agradeço muito aos amigos libaneses que sempre apoiaram e empreendimento. No restaurante, faço questão de ter receitas típicas de quando minha mãe fazia para mim e meus sete irmãos. Além disso, muitos descendentes vêm ao restaurante e dão dicas de receitas e pratos”, revela.

Henrique Tjara relata que o avô veio para o Brasil ainda no início do século XX e se locou em Floriano, no Piauí. Mas depois de alguns anos, o primo do avô, Moisés Tjara, de São Luís, o trouxe para o Maranhão. “Meu pai veio para o estado, pois, aqui as oportunidades eram maiores. O Moisés Tjara já estava bem. Ele tinha, além de comércio, uma rede de cinemas, e o meu pai trabalhou em uma de suas casas comerciais na Praça João Lisboa”, narra.

O avô de Henrique Tjara veio para o Brasil, em função da expansão turca na região da Líbia. “Ele era muito magoado com as guerras na região. Por isso, ele não gostava de comentar sobre o assunto. Mas minha mãe sempre soube preservar no dia-a-dia os elementos de nossa terra, principalmente a culinária”, declara.

A ligação com a terra natal ainda é forte. Henrique Tjara conta que pretende iniciar uma pesquisa para tentar encontrar parentes no Líbano. “Um dos meus irmãos está no Piauí coletando dados para, quem sabe, encontrar algum parente no Líbano, que precise de ajuda ou só mesmo para visitar e estreitar os laços”, explana.

Mais

A imigração libanesa foi intensa em todo o país e uma das características mais marcantes é a participação da mulher tanto na economia, como na política e no comércio. No Maranhão, com voz ativa, as mulheres descendentes de libaneses fundaram no dia 3 de outubro de 1933 a Sociedade Feminina Libanesa. Hoje, a sociedade é presidida por Admee Dualib, e segundo a presidente o objetivo desde o início foi sempre prestar assistência aos imigrantes e à comunidade em geral. “A entidade historicamente procurou dá o apoio aos imigrantes que chegavam sem assistência dos familiares. Hoje, este apoio se estende a todas as comunidades de São Luís que necessitam de alguma ajuda”, declara dona Admee.

6 comentários:

Anônimo disse...

Me chamo Michely Belich, e pelos relatos de meus familiares, tenho parentes no Maranhão, mais precisamente em Codó.
Minha avó se chamava Ilda Mutran e meu avô Uadi Belich.
Queria emuito streitar os laços familiares com os parente que ainda moram nessa região.
Um abraço à todos.
E-mail: michelybelich@hotmail.com

Michely Belich disse...

Gostaria de manter contato com o autor do blog.
Por e-mail ou telefone.

Michely Belich disse...

Favor entrar em contato pelo e-mail: michelybelich@hotmail.com

Abraço.

Unknown disse...

Boa noite !! A minha família por parte de mãe é do maranhão e o meu avô veio de beirute (Libano) e foi deixado pela familia. Gostaria de ter mais informaçoes a respeito e como ter acesso a informçoes quero encontrar os meus familiares e libaneses tbm que supostamente regressaram a beirute.. tenho os nomes ..por favor me ajudem o meu email é marceloprudenciop@bol.com.br.

Anônimo disse...

Me chamo Natália .gostaria de saber mais sobre a história da família aboud em São Luís . meu email : nataliasercos@hotmail.com

Jeanderson Mafra disse...

Vale ressaltar que muitas das famílias árabes que aqui se estabeleceram tinha na verdade origem judaica. A família Safra, por exemplo, veio da Síria-Líbano, mas é judia. Ou seja existe uma confusão muito grande em pensar que seu país de origem determina sua identidade cultural, o que é um erro.