quinta-feira, 28 de julho de 2016

Entenda como se deu a adesão do Maranhão e porquê o Maranhão não queria pertencer ao Brasil

 

 

Independência é traição

Quase um ano após o Grito do Ipiranga, o Maranhão se mantinha fiel a Portugal e resistia, armado, à “autonomia” que vinha do Sul.

Marcelo Cheche Galves
9/12/2008  

A independência do Brasil foi feita aos poucos. Bem depois do famoso Grito do Ipiranga, um bom pedaço do país mantinha-se fiel ao Império português. O Maranhão foi uma das últimas províncias a aderir ao “chamado” de D. Pedro I. E não sem resistência.

Para se entender o que acontecia naqueles anos conturbados, um mapa pode ajudar. Localizado no extremo Norte, o Maranhão vivia isolado da longínqua capital, o Rio de Janeiro. Lisboa, ao contrário, era logo ali. Pelo mar, ficava bem mais perto que o Sudeste. E não só do ponto de vista geográfico, mas também por laços econômicos e políticos, os maranhenses tinham motivos para resistir à incorporação de sua província às demais, já convertidas à independência.

Nos primeiros meses de 1823, tropas organizadas a partir do Ceará e do Piauí –emancipados, respectivamente, em outubro de 1822 e março do ano seguinte – invadiram o Maranhão com o objetivo de “libertá-lo” do domínio português. Encontraram uma população nada disposta a ser libertada.

Fiel à Corte lusa, o governo provincial defendia que o Maranhão deveria permanecer unido a Portugal. E praticamente não havia oposição a esta tese. Toda a imprensa agia em uníssono: o jornal e os folhetos impressos na única tipografia da cidade (controlada pelo governo) juntavam-se às publicações que chegavam de Lisboa e Londres nas denúncias contra o “separatismo das províncias do Centro-Sul”. Ainda em junho de 1822, o Conciliador, único jornal da capital, repudiou os projetos de criação de um Conselho de Procuradores e de uma Assembléia Constituinte, a serem instaurados no Rio de Janeiro. D. Pedro era alvo de pesadas acusações. Segundo o jornal, o príncipe regente chefiava uma “facção criminosa” e cercava-se de “aduladores e cortesãos” que queriam “levar o Brasil ao despotismo monárquico e, quem sabe, à república”.

Em setembro, confirmada a independência no Sul, o Conciliador classificou-a como uma quebra do juramento de fidelidade ao rei português. Criticava o fato de D. Pedro I governar o Brasil sem lei, enquanto Portugal era regido por uma Constituição.  Dois meses depois, o jornal reforçava a idéia de resistir à emancipação do Brasil: “Se o Sul podia se separar de Portugal, o Norte poderia fazer o mesmo com o Sul”, argumentava, pregando a união de Pará, Piauí e Maranhão contra o despotismo, “que mata a liberdade das nações”.

Mas o centro da disputa local ia além dessas motivações políticas e ideológicas. O que estava mesmo em jogo era a indicação para cargos públicos e a obtenção de privilégios. Na época, São Luís tinha cerca de 30 mil habitantes. A população masculina, adulta e branca não chegava a quatro mil pessoas. Entre elas estavam os “homens de bem”: importantes fazendeiros e comerciantes que tinham relação próxima com o governo provincial, e por vezes chegavam a ocupar cargos públicos. Em sua maioria, eram membros do Corpo de Comércio e Agricultura da cidade.

Com o início dos conflitos na divisa entre o Piauí e o Maranhão, os “homens de bem” se organizaram para reunir fundos e arcar com as despesas da guerra. Assumiram também o comando de regimentos e criaram corpos de voluntários. O principal deles foi a Legião Cívica de São Luís, proposta em maio de 1823 pelo português Antonio Marques da Costa Soares. A iniciativa defendia a substituição de alguns comandantes, castigo imediato aos desertores e maior proteção à ilha onde fica a capital maranhense. Costa Soares era um dos redatores do Conciliador, e nos momentos de folga do trabalho cumpria seu papel na Legião Cívica, colaborando na vigilância da cidade.

Nem as sucessivas vitórias das tropas do Ceará e do Piauí contra o exército português em regiões do interior do Maranhão – como Caxias, Pastos Bons, Brejo e Itapecuru – nem a incorporação de destacamentos portugueses à “causa brasileira” fizeram o jornal admitir a possibilidade da independência. Segundo o Conciliador, essa perspectiva em nada entusiasmava a opinião pública de São Luís, constituída dos “verdadeiros portugueses”. Em junho de 1823, a capital se viu cercada, e ainda assim não se registraram nas ruas sinais de apoio à emancipação da província.

O cerco não esmoreceu a resistência dos “cidadãos de bem”, que no dia 12 de julho receberam uma notícia surpreendente: D. João VI havia restabelecido seus poderes absolutos em Portugal, rasgando a Constituição, suprimindo as Cortes e abrindo a possibilidade de uma reaproximação com seu filho D. Pedro I. Foi a deixa para a Junta do Governo e da Câmara nomear uma comissão para negociar um armistício – para os líderes da província, seu futuro deveria ser decidido, pacificamente, entre D. João VI e D. Pedro I. Mas a iniciativa foi em vão: no dia seguinte, os tenentes de 1ª linha Francisco Antonio da Costa Barradas, José Cursino Raposo e o alferes Joaquim José dos Reis lideraram setores das tropas que se puseram à frente do largo do Palácio e tentaram proclamar a independência. A reação do comando do Exército foi imediata. Um miliciano e um soldado da polícia, ambos fiéis a Portugal, ficaram feridos. Vários integrantes das tropas foram presos, e os líderes fugiram para evitar a prisão.

O clima de tensão se agravou como nunca. Na Bahia, a independência havia chegado em 2 de julho. Em conseqüência, navios portugueses fugidos daquela província rumaram para a capital do Maranhão. Chegaram no dia 14, renovando as esperanças de resistência, quando a Câmara Geral se preparava para discutir a adesão de São Luís à independência, uma vez que o restante do Maranhão já havia sido incorporado. Não se podia negar o avanço dos “brasileiros”. Era o que admitia Antonio Marques da Costa Soares no Conciliador, atribuindo o fato a três causas: o medo da população diante da iminência de um confronto, a demora no envio de tropas de Portugal em socorro do Maranhão e a falta de carne. A escassez do produto era provocada pelo cerco à cidade, que se intensificava. 

Para Joaquim José da Silva Maya (1811-1893), um dos membros da esquadra portuguesa recém-chegada da Bahia, a tensão que tomava conta de São Luís também se devia a outro fator. Em seu diário, ele descreve o apoio crescente à independência, especialmente por parte dos homens “de cor”. O percentual de “pretos livres”, “pretos cativos”, “mulatos livres” e “mulatos cativos” era superior a 77% da população maranhense. Para os escravos, aliar-se aos “brasileiros” era uma promessa de liberdade. No interior, muito fugiram e aderiram às tropas pela independência. Na capital, participaram dos conflitos de rua.

A situação pendeu de vez para o lado da independência em 26 de julho, quando aportou em São Luís o navio Pedro I – cujo nome indica de que lado estava. Sob o comando do almirante britânico lorde Cochrane (1775-1860), o navio vinha da Bahia, onde apoiara a independência daquela província. Agora chegava para consolidar a conquista do Maranhão. No dia 27, 200 homens desembarcaram na cidade e garantiram para o dia seguinte a proclamação da Independência.

Festa e comoção popular? Nem sinal. Foi uma cerimônia discreta. Seis tripulantes do navio se juntaram a 91 cidadãos, entre eles os membros da Junta de Governo e da Câmara e outras autoridades, que, discretamente, saudaram a “Adesão ao Império Brasílico, e Governo do Imperador, o Senhor Dom Pedro Primeiro”. Do lado de fora do Palácio havia poucas pessoas. A independência foi registrada com um simples repicar dos sinos, uma salva de tiros e o reconhecimento da “Bandeira Brasílica”. Muito pouco, se comparado às multidões que celebraram a incorporação da cidade à Revolução do Porto (1821) e o nascimento dos membros da família real.

Mesmo sem grandes manifestações públicas, os homens “de cor” acreditavam que a independência poderia lhes trazer benefícios. O escritor João Dunshee de Abranches Moura, no romance A Setembrada (1931), faz alusão a um curioso episódio ocorrido às vésperas da proclamação. Alguns negros teriam tomado canoas e se dirigido ao navio Pedro I para pedir asilo ao almirante Cochrane, na esperança de que lhes fosse assegurada a liberdade. Em vão. Após a independência, os negros participaram dos saques às lojas e das surras aplicadas aos cidadãos acusados de conspirar contra a emancipação. Libertos compuseram as tropas responsáveis pela segurança da cidade. Em meio à instabilidade vivida nos dezoito meses após a independência da província, os negros chegaram a ser convocados para participar da política.

Os brancos, por sua vez, agora divididos em “brasileiros” e “portugueses”, tiveram destinos diversos. Os principais membros do Corpo de Comércio de São Luís foram expulsos, sob a acusação de financiarem a resistência. A medida favoreceu os maiores produtores de algodão e arroz do Maranhão, que se livraram de suas dívidas, pois seus credores haviam sido banidos da província. E eles ainda assumiram postos importantes no novo governo. A grande maioria dos funcionários da administração foi demitida e substituída por parentes e amigos dos membros da Junta que assumiu provisoriamente o governo.

As disputas em torno da administração pública estavam apenas começando. Alguns “heróis da independência” apressaram-se a enviar relatos de seu desempenho no conflito, pedindo cargos que recompensassem os “sacrifícios feitos em nome da pátria”. José Felix Pereira de Burgos (1780-1854) foi um deles. Tenente-coronel de 2ª linha que “aderiu à causa” em junho de 1823, tornou-se governador de Armas e  encaminhou ofício a José Bonifácio relatando as “sucessivas fadigas” dele e de sua família para realizar o “projeto patriótico da independência”. Em meio às lembranças do tempo em que fora aluno do mestre em Coimbra, pediu que seus irmãos – os militares Carlos, Antonio e Honório – gozassem de proteção real e fossem “contemplados conforme o justo”.

Novos tempos, velhas práticas...  

Marcelo Cheche Galves é professor de História da Universidade Estadual do Maranhão e autor da dissertação “Jornais e políticos no município de Avaré” (UNESP, 2000).

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