O governo brasileiro confirmou, na quarta-feira (20), que operações do serviço secreto brasileiro monitoraram, em ações de contrainteligência, representantes de países como Rússia, Irã e EUA e tentaram averiguar se houve sabotagem na explosão da base de lançamento de satélites no município de Alcântara, no Maranhão.
Sem detalhar as ações comandadas pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o diretor do órgão, Wilson Trezza, e o ministro chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), José Elito, garantiram, durante audiência no Senado na tarde de quarta, que todas as operações respeitaram a legislação.

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Em 2003, uma explosão destruiu a base de lançamentos e matou 21 pessoas
 
Como a Folha de S. Paulo revelou, o principal braço de espionagem do governo brasileiro monitorou diplomatas de rês países estrangeiros em embaixadas e nas suas residências, de acordo com um relatório produzido pela Abin.
O documento oferece detalhes sobre dez operações secretas em andamento entre 2003 e 2004 e mostra que até países dos quais o Brasil procurou se aproximar nos últimos anos, como a Rússia e o Irã, viraram alvos da Abin.
Elito afirmou que “são fatos que aconteceram há dez anos” e não há nada de errado com operações de contrainteligência. “Trabalhamos em sintonia com os princípios constitucionais e legais e absoluta observância aos princípios éticos e morais”, completou Trezza, na audiência que reuniu deputados e senadores de diferentes comissões.
Questionado sobre o monitoramento das antenas de comunicação usadas pelos EUA em quatro cidades brasileiras, Trezza não revelou se foi constatado o uso inadequado dos equipamentos.
“Toda vez que há indício de ameaça, que algo chama a atenção, vamos averiguar. Às vezes desenvolvemos atividades por um, dois, três anos até chegar a conclusão de que nada aconteceu. É um resultado compatível com a atividade de inteligência”, disse o chefe da Abin logo após a audiência.
ALCÂNTARA – A Abin também confirmou operações para averiguar uma suposta ação de sabotagem para explodir a base de lançamento de satélites de Alcântara, no Maranhão.
Em 2003, um acidente no local matou 21 pessoas, entre engenheiros e técnicos do CTA (atual Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial), órgão da Aeronáutica.
A Folha revelou que a suspeita fez o Brasil investigar os franceses. As operações da Abin, contudo, foram inconclusivas e não conseguiram comprovar a sabotagem.

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Boias ‘suspeitas’ foram encontradas pela Abin na costa maranhense
CUSTOS – Na quarta, Trezza também informou aos deputados e senadores que um procedimento administrativo para apurar irregularidades de conduta de um servidor federal custa, em média, R$ 134 mil.
O custo da investigação interna foi usado como uma das justificativas de Trezza para a Abin ter exonerado do cargo “por quebra de confiança” sem abrir sindicância ou procedimento administrativo contra o oficial que manteve encontro suspeito com espião da CIA (o serviço de inteligência dos EUA) no Paraná.
Segundo o chefe da Abin, o gestor tem que estar atento à eficiência e à economia da máquina pública.
Ele determinou que uma operação de contrainteligência fosse montada para averiguar a atuação de agentes de inteligência estrangeiros em território nacional e, depois de monitorar o encontro do brasileiro com o norte-americano num restaurante, decidiu exonerar o oficial da superintendência da Abin em Manaus. Em seguida, esse espião brasileiro se aposentou com rendimentos integrais.
O objetivo do agente americano seria obter informações sobre a atuação brasileira na tríplice fronteira do país com o Paraguai e a Argentina.
No entanto, segundo Trezza, a operação da Abin indicou que não houve troca de informações, transferência de recursos nem de dados. O brasileiro, contudo, não havia comunicado previamente o encontro nem que mantinha contato com o espião norte-americano.
“Naquele momento me convenci que não tinha elementos para fazê-lo [abrir uma investigação], mas me convenci que houve quebra de confiança e por isso o exonerei do cargo. Não tenho prerrogativa de impedir ou de determinar aposentadoria”, afirmou Trezza, dizendo que o brasileiro já contava com 35 anos de trabalho e, por isso, se aposentou.
PUNIÇÕES – O chefe da Abin ponderou, ainda, que na gestão dele o órgão puniu mais que nas anteriores. Entre 1999 a 2007, foram 104 investigações internas. A partir de 2008, quando ele assumiu o comando da agência, foram 230, segundo o próprio chefe do órgão.
“Acho que essa performance da Abin demonstra que não há intenção de escamotear a verdade ou jogar para debaixo do tapete”, disse Trezza, afirmando ainda que operações podem ser consideradas investigações internas.
No entanto, há quem questione a decisão de se montar operações porque, ao contrário de sindicâncias ou procedimentos administrativos, elas não têm prerrogativa de indicar nenhuma punição.
“Para quem demitiu 14, não teria o menor problema de demitir 15″, afirma Trezza que, na própria gestão, contabiliza ainda 24 suspensões e 34 advertências.
Abin também investigou boias ‘espiãs’ em Alcântara
Uma reportagem do jornalista Leonardo Souza, da Folha de S. Paulo, publicada em 2 de fevereiro de 2009, revelou que a Abin encontrou, em outubro de 2008,  equipamentos de telemetria (que podem captar, enviar e processar dados à distância) instalados em boias apreendidas em praias que cercam o CLA (Centro de Lançamentos de Alcântara). Veja os principais trechos da reportagem:
“A Abin (Agência Brasileira de Inteligência) investiga a possibilidade de espionagem e até mesmo risco de sabotagem no programa brasileiro e ucraniano de lançamento de foguetes. Recentemente, a agência elaborou relatório reservado sobre equipamentos de telemetria (que podem captar, enviar e processar dados à distância) instalados em boias apreendidas em praias que cercam o CLA (Centro de Lançamentos de Alcântara), no dia 11 de outubro do ano passado [2008]. É a terceira vez que a agência encontra o mesmo tipo de aparelho nos arredores de Alcântara.
Essas boias são utilizadas para pesca em alto-mar, na localização de cardumes, mas têm capacidade de interferir nos sinais de navegação dos foguetes se para isso forem programadas, de acordo com a Abin. O equipamento foi submetido à análise do Instituto de Pesquisas da Marinha, no Rio.
A hipótese de que o equipamento pode ser utilizado para interferir nas comunicações entre os foguetes e a base de Alcântara não foi descartada.
Os técnicos do instituto também ressaltaram o fato de Alcântara estar muito distante das rotas de pesca em alto-mar. Eles trabalham agora numa perícia mais aprofundada.
‘A agência tem monitorado o aparecimento de boias em intervalos de dois em dois anos, nas praias do CLA. Elas são acionadas por controle remoto via satélite e têm capacidade de enviar, transmitir e medir frequência, além de possuírem espaço suficiente para abrigarem corpos estranhos; estão equipadas com bateria de longa duração e painel solar’, informa o relatório sigiloso da Abin.
‘Caso isso ocorresse [interferência na telemetria dos foguetes], não seriam prejudicados apenas os eventuais lançamentos a partir de Alcântara, mas também se colocaria em risco a execução de operações de rastreio de veículos espaciais estrangeiros – serviço prestado pelos centros de lançamento de Alcântara/MA e Barreira do Inferno/RN’, cita o relatório da Abin, referindo-se à análise do Centro de Pesquisas da Marinha.
Além das boias de pesca, a Abin levanta suspeitas também sobre a presença de muitos estrangeiros na região do CLA, uma área pobre, com pouca atividade e infraestrutura turística. Em 2006, o Grupo de Trabalho da Amazônia, coordenado pela Abin, produziu um relatório que abordou o tema.
A Abin ainda não conseguiu esclarecer se os aparelhos instalados nas boias estavam em operação durante lançamentos feitos da base de Alcântara.
No dia 19 de julho de 2007, por exemplo, período intermediário entre duas apreensões (2006 e 2008) dos equipamentos, o CLA lançou o foguete VSB-30. O teste foi parcialmente bem-sucedido. O foguete percorreu o trajeto estipulado e o chamado módulo útil pousou no mar, mas o equipamento não foi encontrado após o lançamento, como previsto. Na época, o CLA informou que, ‘durante a queda, houve oscilações no sinal de telemetria, o que dificultou o resgate do módulo após o lançamento’.”