domingo, 21 de abril de 2013

Produção maranhense no Festival de Cannes

Acalanto, do cineasta Arturo Saboia, foi um dos trabalhos selecionados para a mostra de exibição de um dos mais respeitados festivais do cinema.
 
Evandro Júnior
Da equipe de O Estado
 
O filme Acalanto, de autoria do publicitário e cineasta maranhense Arturo Saboia, será exibido no mês de maio na Mostra Paralela do Festival de Cannes (Short Film Corner), na sessão World Première. O festival é um dos mais importantes e tradicionais do mundo e acontece anualmente, sendo a vitrine para as produções internacionais. Baseado no conto intitulado A Carta, do escritor moçambicano Mia Couto, um dos maiores nomes da literatura mundial, o curta-metragem tem no elenco os atores Luiz Carlos Vanconcelos e Léa Garcia.
Luiz atuou na premiada série A Pedra do Reino, de Luiz Fernando Carvalho, e, atualmente, participa da novela Flor do Caribe. Léa Garcia, por sua vez, é atriz com mais de 50 anos de carreira na televisão, teatro e cinema e já foi indicada como melhor atriz no mesmo festival, por seu trabalho no filme Orfeu Negro (1959), do cineasta francês Marcel Camus. Entre seus trabalhos na televisão, um dos mais destacados foi seu papel em Escrava Isaura, novela da Rede Globo.
Acalanto, com 23 minutos, foi gravado ano passado no Centro Histórico de São Luís e as filmagens duraram cinco dias. A minuciosa preparação, no entanto, durou meses até o resultado final. Acalanto é o único filme produzido por um maranhense e gravado no Maranhão a figurar nesta edição do Festival de Cannes e está sendo inscrito em diversos outros festivais no Brasil e Europa, Ásia e Estados Unidos.

Reconhecimento - Para Saboia, ter seu filme selecionado para o festival de cinema mais importante do mundo foi uma honra. “Eu recebi um e-mail do festival me parabenizando por ter sido selecionado e fiquei super feliz e lisonjeado, pois lá estarão curadores e compradores do mundo inteiro, e haverá palestras e workshops. Além disso, o cineasta Steven Spielberg irá presidir o júri da mostra de longa-metragem”.
O curta conta a história de uma senhora analfabeta, dona Luzia (Léa Garcia), que busca amenizar a saudade do filho ao solicitar a um conhecido, Chico (Luiz Carlos Vasconcelos), que leia diversas vezes a única e velha carta de seu saudoso filho. A partir desses encontros, uma bonita amizade e cumplicidade surge entre os dois. O livro inspirador, A Carta, foi escrito em estilo literário que remonta ao universo fabular e poético de Mia Couto, um dos preferidos de Arturo Saboia.
Ele já dirigiu e roteirizou o filme Borralho (2007) e foi corroteirista de Pelo Ouvido, vencedor de mais de 12 prêmios nacionais e internacionais, e ainda selecionado para mais de 60 festivais ao redor do mundo. Com Borralho, o cineasta venceu mais de 15 prêmios nacionais e internacionais.
Nesta entrevista, o cineasta fala sobre a produção, sobre o trabalho da equipe, os atores escolhidos e outros detalhes de sua incursão cinematográfica.

Arturo Saboia - cineasta


O Estado - O que representa para você ter o filme Acalanto selecionado para a Mostra Paralela de Cannes?
Arturo Saboia - É uma alegria imensa ter um trabalho feito com tanto carinho e dedicação reconhecido na maior vitrine de cinema do mundo. E mais importante ainda é levar o nome do Maranhão para fora.

O Estado - E como foi a formação da equipe?
Arturo Saboia - O filme foi feito com profissionais locais e outros vindos de Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e Paris. Tivemos como produtor o Napoleão Sabóia, que tanto fez para que o filme pudesse ganhar vida; a Cássia Mello, como produtora executiva já com anos de experiência em grandes produtoras como a O2 filmes, em São Paulo; o Paulo Eduardo Barbosa, codiretor do filme com longos anos de parceria; Ale Samori, um dos grandes nomes de direção de fotografia hoje no Brasil; Beto Matuck, responsável pela montagem; Rogério Tavares, que compôs a cenografia; Luiz Oliviéri, que fez a trilha sonora e tantos outros profissionais brilhantes que seria impossível falar de todos, mas que contribuíram enormemente com o filme por meio de muito trabalho e dedicação.

O Estado - O que o motivou a fazer o filme Acalanto?
Arturo Saboia - Eu sou fã da obra do Mia Couto, e mesmo que muitas de suas histórias se passem na geografia africana, assolada por guerras internas e extremas dificuldades, há sempre ali uma universalidade. No caso de Acalanto, essa universalidade encontra terreno na questão do amor materno, onde por alguma razão ou por alguma necessidade, uma mãe se vê desprovida da companhia de seu bem maior, que é seu filho. E essa questão do amor materno, que tenta se agarrar de todas as formas à lembrança do seu filho como forma de
ela própria encontrar algum sentido para sua vida. Acredito que no fim das contas o que motiva você a fazer um filme é a necessidade de dizer algo, de contar uma história que esperamos encontrar eco em algumas pessoas.

O Estado - Por que ambientá-lo em São Luís para contar essa história?
Arturo Saboia - O próprio conto, por abarcar essa universalidade do amor materno, poderia se passar em qualquer lugar do planeta. Porém, há diversos fatores que me fizeram optar por São Luís, mais especificamente pelo Centro Histórico. Eu nasci aqui e por muito tempo vivenciei a atmosfera desse lugar, seja por meio de minha própria vivência, seja na leitura de obras de escritores e poetas de nossa terra como Aluisio Azevedo, Josué Montello, Ferreira Gullar, que já narraram com tanta mestria os sentimentos que esse lugar desperta. Além do mais, há sempre uma espécie de ambivalência encontrada ali, e também uma forte sensação de um tempo suspenso, onde percebemos um brilho de um tempo que já foi vivido por esse lugar e que hoje tenta se manter vivo, em pé. E para completar, temos tanto cenários naturais e arquitetônicos que instigam o imaginário popular, e que mesmo assim, ainda não encontramos no panorama cinematográfico brasileiro.

O Estado - Você trabalhou com dois consagrados atores brasileiros, o Luiz Carlos Vasconcelos e a Léa Garcia. Como se deu esse processo?
Arturo Saboia - Eu acompanho a carreira dos dois desde muito tempo e sempre admirei a intensidade com que eles se entregam a cada projeto. E em Acalanto, por se tratar de uma narrativa onde a expressão, o gestual, a cadência das falas, o ritmo, adquiriam uma importância capital para passar aquilo que o filme exigia, era preciso trabalhar com atores que abraçassem essa história e que se deixassem permear pelos sentimentos exigidos pelos personagens. E a expressividade da Léa é impressionante. Ela transmite apenas com o olhar, uma infinidade de sentimentos. E como sua personagem do filme tem poucas falas, era muito importante uma atriz que tivesse essa capacidade, profundidade e talento. Já o personagem do Luiz Carlos Vasconcelos, era alguém ao qual o expectador não fica sabendo quase nada sobre sua vida, mas que vai gerando uma empatia ao longo da narrativa. E ele soube achar o tom exato de seu personagem de maneira magnífica.

O Estado - Como você lidou com a construção da imagem, fotografia e som do filme?
Arturo Saboia - A ideia era fazer com que a fotografia e o som deviam andar de mãos dadas com a cadência do filme. Optamos por fazer uma fotografia onde em muitas cenas havia uma luz mais incidental, em que não revelasse muito do ambiente onde os personagens transitavam. O filme não dá muitas informações sobre os personagens, como eles se conheceram, de onde eles vieram, o que eles passaram até chegar ali. Então, a fotografia, a composição da luz, os enquadramentos deveriam servir como uma extensão dos personagens, onde poucas informações são repassadas. Há um contraste bem acentuado entre as sombras e as zonas de luz, justamente para incitar a imaginação de quem vê o filme, sobre as coisas que não são possíveis enxergar ali. Já no caso do som, optamos por uma trilha mais minimalista que vai de acordo com a vida rotineira, cíclica dos dois personagens.

O Estado - Como foi o processo de captação de recursos do filme?
Arturo Saboia - Acalanto foi feito por meio da Lei Rouanet. Apresentamos o projeto às empresas e a Internacional Marítima e Grupo Atlântica, representado pelo Luiz Carlos Cantanhêde, acreditou no projeto desde o início. Contamos com o apoio fundamental da Alumar, Sesi/Fiema, Emap e Fecomercio, e com a colaboração de diversos órgãos como o Iphan, Polícia Militar do Maranhão, Secretaria Municipal de Turismo e outros que permitiram a viabilização.

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