Pesquisa do historiador Antonio Guimarães revela que a produção de Gaudêncio Cunha, na verdade, foi feita pelo irmão dele Cândido Cunha
José Reinaldo Martins
Especial para o Alternativo
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O historiador Antonio Guimarães Oliveira, cuja obra São Luís: memória e tempo foi sucesso de vendagem na Feira do Livro de São Luís deste ano, apresentou um resultado surpreendente de minuciosa pesquisa realizada nos últimos 10 anos. Ele garante que o Album do Maranhão em 1908, maior acervo iconográfico de imagens antigas do Maranhão, não foi elaborado pelo fotógrafo Gaudêncio Cunha, como todos pensam, mas, pelo irmão, Cândido Cunha.
A afirmativa de Antonio Guimarães Oliveira tem como lastro detalhado levantamento, na área de História da Fotografia, empreendido em várias cidades e diversos acervos. Ele participou de leilões de fotografia, exposições, pesquisou em arquivos públicos e particulares de várias cidades, principalmente em São Luís, Rio de Janeiro e São Paulo. Consultou colecionadores do Brasil e do exterior, entre os quais os consagrados Daltoso, Belchior e Raimundo Antônio Pereira.
O resultado da pesquisa permitiu que ele elaborasse o álbum São Luís: memória e tempo, a publicação mais vendida e comentada da feira. O trabalho inclui cerca de 5 mil imagens de São Luís, entre fotografias e tipografias e chama a atenção por reunir imagens de várias épocas da cidade, sendo aproximadamente 60 por cento inéditas.
O álbum está quase esgotado. O plano é lançar uma segunda edição com mais imagens. Professor da rede pública estadual, locado no Centro de Ensino de Educação Especial João Mohana, Antonio Guimarães Oliveira tem fotografias que não incluiu nessa primeira edição.
Entre as imagens, mapas antigos do Maranhão e, principalmente, representações de São Luís, desde a sua fundação. Há muitas fotografias panorâmicas, aéreas e de detalhes. As iconografias reproduzem momentos da cidade que remontam a sua fundação. A maioria, contudo, é resultado de trabalho realizado por fotógrafos, a partir da segunda metade do século XIX e no século XX.
Das ruas e praças da São Luís Imperial e das primeiras décadas da República, passando pelos desfiles de 7 de Setembro na Rua do Egito, na década de 1970, o Clube Social Jaguarema, que havia na área do Anil, ao casarão que ficava onde é hoje o Edifício Colonial (próximo ao Teatro Arthur Azevedo), o álbum passeia pela paisagem histórica da capital maranhense.
Entre os créditos e autorias, destaque para as livrarias A. P. Ramos de Almeida (ficava na Rua da Palma, 3) e Moderna, a Coleção da Revista do Norte, Armazém Teixeira, entre outros. Os suportes das imagens e os autores são diversos, incluíndo pintores, como Leone Righini, os fotógrafos Dreyfus Azoubel e os irmãos Cândido e Gaudêncio Cunha.
Quem fez o álbum? - Com relação ao Album do Maranhão em 1908, Antonio Guimarães reassalta que foi elaborado por Cândido da Cunha, pois, Gaudêncio Cunha estava fora de São Luís, desde 1904, em tratamento de uma moléstia identificada como bexiga e só retornou a São Luís em 1908, quando o álbum já estava concluído pelo irmão.
Cândido, irmão de Gaudêncio, era um dos vários artífices que integravam a equipe da Photographia União, de Gaudêncio Cunha, onde também, vários profissionais da cidade eram convocados para prestar serviço, inclusive na elaboração do álbum.
A base principal das interpretações de Antonio Guimarães são informações captadas em atas (balaustres) ao qual teve acesso na Loja Maçônica Renascença Maranhense, de São Luís, da qual Cândido e Gaudêncio Cunha faziam parte.
Quando Gaudêncio Cunha saiu de São Luís, em 1904, em busca de tratamento, deixou seu irmão, Cândido Cunha, à frente das atividades da Photographia União. Ao retornar para a cidade, o álbum já estava concluído. Mas a autoria permaneceu com Gaudêncio, que era o mentor do atelier. A interpretação de Antonio Guimarães promete provocar muitas polêmicas.
Gaudêncio Cunha foi um fotógrafo do Pará que trabalhou em São Luís na última década do século XIX até por volta de 1919/1920, período em que manteve a Photographia União. O álbum foi uma encomenda do Governo do Maranhão, na gestão de Benedito Leite, para ser uma das peças representantes do estado na Exposição Nacional de 1908, promovida pelo Governo Federal em comemoração aos 100 anos da Abertura dos Portos às Nações Amigas.
Há somente um exemplar que faz parte do acervo do Museu Histórico e Artístico do Maranhão. Na década de 1980, pensando em preservar este importante acervo e difundi-lo, o escritor Jomar Moraes conseguiu viabilizar a sua reprodução. Outra reprodução foi realizada, já neste século, pelo estúdio do fotógrafo Edgar Rocha.
Vários pesquisadores estão interpretando o álbum. Em algumas imagens, com as das praças João Lisboa e Deodoro, a cidade parece ser outra. Na área central da Deodoro, por exemplo, em frente e na área da Biblioteca Benedito Leite, havia um quartel e nas proximidades de onde está, hoje, o relógio abandonado da Praça João Lisboa havia um chafariz.
Historiadores, antropólogos, artistas, fotógrafos e sociólogos apresentam versões sobre a obra, que tem muito a dizer sobre o passado de São Luís, do Brasil e do mundo. Um exemplo é o fotógrafo Albani Ramos, que fez o álbum São Luís, 1908 a 2008 a cidade no tempo, no qual coloca, lado a lado, imagens de São Luís que estão no álbum de 1908 e fotografias dos mesmos locais colhidas por ele em 2008.
O álbum reflete o momento da Belle Époque, na qual Paris era a cidade referência com suas largas avenidas. Era o tempo de grandes invenções e das revoluções no campo da pintura.
São Luís, contudo, tinha aspectos dos tempos coloniais e do Império, com ruas estreitas. No início do século XX, os então modernos bondes elétricos já rodavam em grandes centros urbanos do mundo. Os trilhos eram um símbolo de progresso, mas, em São Luís, circulavam, em trilhos, os lentos bondinhos puxados a burro. Cidades como o Rio de Janeiro estavam passando por grandes transformações urbanísticas, com o surgimento de largas avenidas e este era o espírito presente na Exposição de 1908.
No álbum, as ruas estreitas e coloniais de São Luís foram redimensionadas, na medida do possível, e a cidade parece mais larga. O álbum realçou São Luís espaçosa como a época pedia para apresentá-la na exposição de 1908, um tempo em que os largos bulevares parisienses eram o modelo ideal.
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