domingo, 23 de setembro de 2012

Urbanista comenta o crescimento e os problemas de São Luís acumulados ao longo das últimas décadas.

Expansão urbana desordenada é responsável por caos em São Luís

André S. Lisboa
Da equipe de O Estado

 
 
Uma cidade que cresce a cada dia, com os dilemas de uma formação sem planejamento, São Luís é uma ilha com área metropolitana que compreende quatro municípios: São Luís, Paço do Luminar, Raposa e São José de Ribamar. Apenas o primeiro deles, a capital maranhense, alcançou no começo desta década, segundo dados do último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população de 1.014.837 habitantes, que se adapta e circula por 834,8 quilômetros quadrados.
Com mais de 15% da população maranhense, a expansão urbana nos últimos 10 anos foi arrastada pelo levante imobiliário que mudou o cenário da cidade, decorrente de um processo que se acelerou nas últimas três décadas com a chegada de grandes empreendimentos de exploração - como a Vale e o Consórcio de Alumínio do Maranhão (Alumar) -, abertura de mercado imobiliário e mudanças nos gabaritos de prédios (limite de altura).
Em entrevista a O Estado, o urbanista e secretário-adjunto de Habitação, da Secretaria de Estado das Cidades e Desenvolvimento Urbano (Secid), Frederico Lago Burnett, comenta sobre o crescimento e os problemas de São Luís, acumulados ao longo das últimas décadas, processo marcado pela desorganização, responsável pelo caos no trânsito, pelos dilemas de habitação, marginalização da população operária e outros. Ele fala como se deu o esvaziamento do centro da cidade e o estabelecimento do que vem a se tornar uma nova metrópole brasileira, carente de serviços.
Burnett explica o movimento dos interesses e ocupacional da classe média alta ludovicense - que passou do centro velho para as novas áreas nobres -, que estabeleceu novas formas de marginalização e escassez de serviços para a população de áreas ditas periféricas. Ele reflete sobre o processo de metropolização da cidade, a cada dia com novos e graves problemas estruturais, e alerta: "É fundamental pensar essa dimensão nova que São Luís passa a ter". Nesta terça-feira, o arquiteto lança o livro São Luís por um triz, na Casa de Antônio Lobo, sede da Academia Maranhense de Letras, às 19h. Uma publicação da Universidade Estadual do Maranhão, onde Burnett leciona, a obra faz uma reflexão sobre o processo de urbanização da capital do estado.

O Estado - São Luís começou a crescer rapidamente nas últimas três décadas. Como foi esse processo?
Frederico Lago Burnett - Há um período que marca muito a mudança de São Luís. Principalmente a mudança do contexto de urbanização de São Luís. O que é possibilitado com a construção da segunda ponte da Ilha, a José Sarney, na década de 1960. A primeira delas foi a Governador Newton Bello, conhecida como Ponte do Caratatiua.
Já havia sido iniciada a segunda ponte. Concluída na década de 1970, ela possibilita a consolidação da área do São Francisco. Dá acesso mais direto à praia. É um período em que há vários eventos em São Luís, por se estar consolidando a questão da Estrada de Ferro Carajás, com a vinda da Companhia Vale do Rio Doce. Depois abre-se o Consórcio de Alumínio do Maranhão.
Há também uma questão da política do Banco Nacional de Habitação (BNH), com o investimento em habitação direcionada para a classe média e a população de baixa renda. São feitos grandes investimentos em moradias, em áreas que naquela época eram bastante isoladas. Nas proximidades do bairro Anil, se constroem a Cohab, a Cidade Operária e o Cohatrac. Cria-se ali uma proximidade do Distrito Industrial onde deveria haver um desenvolvimento econômico que daria emprego para a população de baixa-renda.
Fez toda aquela ocupação, mas ficou uma área muito vazia na cidade. Depois veio uma ocupação do Renascença I - essencialmente familiar, com casas e não prédios. Até aquela época, o gabarito permitia até seis pavimentos. Contudo, os construtores relutavam em fazer seis pavimentos porque havia a exigência do elevador, um custo a mais na obra. Temos um período na cidade em que predominam como características as construções com térreo e três pavimentos, que é a estrutura máxima permitida para um prédio sem elevador.

O Estado - Como foi o esvaziamento do Centro de São Luís, que atualmente é uma área que parece estar marginalizada do ponto de vista habitacional?
Burnett - Essa ocupação continua e se fortalece um processo de mudança da região central para a área do Renascença, por volta da década 1980, embora ainda muitas pessoas morem nos bairros centrais, como Centro, Monte Castelo, Desterro e outros.
Acontece então um fato novo: na região do Renascença II, foi construído o Tropical Shopping. Ele vai coincidir logo depois com uma mudança do plano diretor de 1992, que vai criar um gabarito de construção de empreendimentos com até 15 pavimentos. Cria-se no entorno do shopping - em uma área em que praticamente não havia nada - um núcleo residencial verticalizado.
A mudança do Centro passou a se acelerar, ao mesmo tempo em que continuavam ocupações na área do Calhau, dos bairros Vinhais, Cohafuma, Cohama, Angelim e outros, mas que tinham como característica serem de casas familiares.
O Renascença II foi o primeiro núcleo verticalizado de São Luís. A partir daí, começa-se lentamente o processo de ocupação dessas áreas que formavam os vazios da capital maranhense, com o esvaziamento da área central, que perdeu mais população, segundo o IBGE. Os bairros que perderam população compreendem todo o entorno do Monte Castelo ao Anel Viário. A área da Praia Grande e do Centro Histórico, como Desterro e outros pontos, também perdeu.

O Estado - O comércio teve uma forte influência na dinâmica da cidade. Como ele colaborou para a expansão de São Luís?
Burnett - Até a chegada da instalação do Tropical Shopping, o comércio principal da cidade concentrava-se na Rua Grande, e inicia-se uma disputa muito grande por casarões encabeçada por Mesbla, Marisa, Riachuelo e Americanas, que são segmentos de redes nacionais interessadas nesse movimento. O Armazém Paraíba fez até um shopping, o Colonial, em um quarteirão do centro da Cidade.
É um período que corre em um ritmo lento que vai até o fim dos anos 1990. No começo de 2000, acontecem alguns fatos ligados ao mercado imobiliário privado. É a questão das grandes incorporadoras do país no Sudeste, que abrem o capital na bolsa e conseguem muito dinheiro e há a nova legislação em relação à inadimplência, pois até aquele momento quando se comprava um imóvel e se atrasava as prestações o processo para desocupação desse imóvel era considerado muito lento. Estava-se centrado nos direitos do comprador.
Em 2005, aprova-se uma lei que autoriza que após três meses de atraso o inquilino que atrasar pode perder seu imóvel. O aumento de capital e a quebra dos direitos e garantias do comprador de um imóvel facilitam o desenvolvimento do mercado imobiliário no Brasil inteiro.

O Estado -São Luís começou a crescer verticalmente na primeira década deste século. Como foi esse movimento imobiliário?
Burnett - Isso só foi possível com as grandes empresas de construção civil, que trazem para São Luís um padrão de condomínio fechado - não os condomínios de casas, que eram feitos por pequenas empresas de São Luís -, mas condomínios grandes de prédios verticalizados e encontram aqui em São Luís uma reserva de terrenos que não encontram na maior parte das cidades.
Combinou com o momento em que se compraram grandes lotes de terras que ficaram estocados e se buscou vender com a chegada das grandes imobiliárias. Eles vão encontrar faixas de terra na Avenida Litorânea, no Calhau, principalmente em áreas próximas ao Centro e da área Litorânea, o que ocorre depois de 2005. São elas: a Cyrela e a Gafisa, que lançam grandes empreendimentos.
Força-se a ocupação de outras áreas da cidade. Há uma ocupação de grandes bairros e começa a surgir a questão da mobilidade do transporte, que era precário e simples. Com o aumento rápido da frota de carros na Ilha, a mobilidade começa a virar um problema, já que havia se pensado uma taxa de ocupação para residências, prédios e bairros muito menor e agora você vai ter uma grande concentração nessas áreas. Por isso, a cidade em determinados pontos e principalmente nas avenidas Jerônimo de Albuquerque e Guajajaras têm grandes problemas, nos outros locais são problemas de trânsito apenas nos horários da manhã e tarde. É uma artéria que constantemente apresenta engasgo no trânsito. Em outros lugares, isso é apenas em alguns horários.
O Estado - Como foi a urbanização de São Luís em fins dos anos 2000?
Burnett - Ainda nos anos 2000, há uma continuidade em grandes investimentos econômicos. A Vale amplia as áreas de atuação, vêm outros empreendimentos para a Ilha, o que se combina com uma situação de precariedade no resto do estado. Ocorre assim um reforço na corrente migratória de pessoas que vem para São Luís trabalhar. São pessoas de baixa renda que não tem acesso a imóveis caros. Nos anos 1970, a gente assiste no período em que invasões a loteamentos clandestinos que dão origem a vários bairros, como Coroado, Coroadinho e toda a área do Itaqui-Bacanga, Anjo da Guarda. Nos últimos anos, a população dessas áreas vai crescendo, se concentrando aí e aos poucos vão ter os serviços básicos sendo atendidos vagarosamente porque não é uma área de prioridade das prefeituras, ao contrário da faixa litorânea que sempre angaria mais investimentos. Encerra-se nesse período o esvaziamento de áreas do centro iniciado depois da construção da Ponte José Sarney. As pessoas com mais recursos se mudam de vez do Centro Histórico, abandonado, com exceção da Praia Grande, que tem um interesse turístico e comercial. Os outros bairros do Centro não recebem melhorias. Os imóveis começaram a valer pouco em comparação com os das faixas litorâneas. Quando as pessoas de alta e média renda se mudam para o outro lado da cidade, levam consigo os serviços. Clínicas e colégios se mudam.
Forma-se um grande vazio na área central. Pode-se ver então uma fuga e ao mesmo a construção de algo que se pode chamar de uma nova centralidade. Aquilo que estava no Centro, a Rua Grande, que tinha um comércio diversificado, vira uma área de comércio popular. São criados outros shoppings, que consolidam outra área da cidade.

O Estado -E o processo de metropolização da cidade?
Burnett -Há nos últimos anos um movimento de ocupação de áreas dos municípios vizinhos da capital maranhense: São José de Ribamar, Raposa e Paço do Lumiar. Ocorre uma migração que não ocupa somente São Luís, mas as cidades vizinhas. Ocupações irregulares vão se dar em torno da Cidade Operária, dos Cohatracs, que vão criar uma conurbação, e unir São Luís a Paço do Lumiar, assim como uma grande massa de população de baixa renda, com problemas de falta de atendimento em serviços básicos e quebra de limites municipais. É uma grande faixa de pessoas que vão morar nesses pontos, que continuam a se desenvolver. Aí, nós vamos ter outro fato, que é o lançamento do programa Minha Casa Minha Vida, que vai dar recursos para a construção habitacional, focado numa faixa de renda ampla.
Criam-se grandes conjuntos na área Paço do Lumiar e São José de Ribamar. São mais de 15 mil unidades habitacionais construídas com pontos precários de acessibilidade, o que levou o Ministério das Cidades a rever a condições de construções, exigindo o estabelecimento de um estudo para garantia de direitos e de serviços básicos nos locais onde os conjuntos eram instalados. Há conjuntos habitacionais em São José de Ribamar, onde não há praticamente nada, nem estradas, nem comércio. Esses pontos vão funcionar para novos moradores de baixa renda, porque as prefeituras são pressionadas a promover serviços nessas áreas. As cidades vão crescendo com a corrente migratória, com as pessoas que vem tentar a vida e ter acesso a emprego e vida nesses novos espaços.

O Estado - E qual o resultado disso para a cidade?
Burnett- Temos assim uma área metropolizada de grande população, com precaríssimos serviços de saneamento, de abastecimento de água, de preservação ambiental. Instala-se um impasse com o tratamento dos resíduos sólidos. Não é mais possível fazer aterros sanitários na Ilha, segundo as novas regras federais. Aterros devem estar distantes em um raio de 20 quilômetros do aeroporto, o que ultrapassa os limites de São Luís. Haverá de ser feita negociação como municípios fora da Ilha para que o lixo produzido aqui seja levado para outras regiões.
A cidade não faz até hoje coleta seletiva, que tem um problema sério de poluição de praias e não tem um sistema de transporte adequado para a população, que é baseado no veículo particular, que exige cada vez mais espaço e construção de avenidas e viadutos num processo contrário ao que está acontecendo no mundo inteiro, que é a limitação do uso do automóvel, o incentivo do uso do transporte coletivo e a demolição de viadutos. Aqui começa a se pensar no transporte coletivo sem se observar a experiência malfadada que as grandes cidades do mundo tiveram como se quiséssemos repetir os erros deles.
A gente passa por um momento de muita discussão na cidade e a gente espera que isso possibilite uma reflexão sobre a cidade, principalmente em relação aos quatro municípios. Não se pode mais enxergar São Luís sem estar ligada a São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa. É preciso compartilhar as gestões e ter ações conjuntas para determinadas áreas. Do contrário, vamos ter gargalos sérios para o funcionamento da cidade, que se apresenta como uma metrópole regional. Com a instalação da refinaria de Bacabeira e de outros empreendimentos, deve-se pensar urgentemente em São Luís, porque aqui será o foco, aqui estão os melhores serviços - ensino, comércio, saúde e outros. É fundamental pensar essa dimensão nova que São Luís passa a ter.

Um comentário:

Claudio Anjos disse...

Frederico faz um panorama bem real da situação vivida por São Luís e municípios. O grande problema enfrentado é que diante do quadro há muita discussão, e enquanto se discute quais são as ações a serem tomadas para se reordenar e planejar essa expansão voraz, a cidade cresce freneticamente elevando os problemas a níveis insolúveis. O transito, a balneabilidade das prais, a segregação da população de baixa renda em empreendimentos sem infraestrutura e cada vez mais distantes, são problemas que foram vividos por outras capitais brasileiras e não serviram de exemplos aos governos de São Luís e do Maranhão. Urgente é a necessidade de se pensar o futuro de São Luís, através de leis de ocupação e outras ações, onde toda a sociedade seja envolvida.

Cláudio Anjos
Consultor em Inteligência Competitiva e um apaixonado pela cidade de São Luís.
Brasília - DF