Do Diário do André
O bumba-meu-boi, a manifestação da cultura popular com maior força de mobilização no Maranhão, que pode ser transformado em patrimônio imaterial brasileiro ainda este ano (em junho) conforme a expectativa da superintendência regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), está sob a ameaça de perder a sua essência, a sua espontaneidade, característica imprescindível de uma expressão que depende do povo, da vontade, de um comprometimento com raiz (preocupação com a origem) e diversão (vontade de fazer festa).
Está perdendo o foco que deveria ter como manifestação popular, está se transformando em empresas, voltando-se apenas para os fins lucrativos, para uma amostra de caráter turístico e mais profundamente econômico. O pessimismo está nas constatações levantadas pelo Iphan, no dossiê Complexo Cultural do Bumba-meu-boi do Maranhão, que acompanhado com um vasto material mais de 1.450 páginas com informações sobre a brincadeira junina no estado, CDs, DVDs e álbuns fotográficos, será enviado para a direção do órgão em Brasília, que decidirá sobre a solicitação do título de patrimônio imaterial.
Outra dúvida que surge sobre a aceitação do Iphan, em Brasília da proposta é o fato do bumba-boi ser uma brincadeira que ocorre em todo o norte e nordeste – apesar de claramente ter maior amplitude e diversidade no Maranhão, resultante de uma fusão das culturas de origem lusitana, indígena e negra. Na região amazônica, há o Boi de Parintins, que é um espetáculo de repercussão internacional e se concentra na disputa entre dois grupos – Caprichoso e Garantido.
Em meio às perguntas de jornalistas foram levantadas questões que apontaram para um desaparecimento da essência do bumba-meu-boi [a manifestação folclórica que mais tem incentivo em recursos financeiros do poder público]. Como poderia estar perdendo o foco, estar desaparecendo, estar perdendo algo se ganha a cada ano mais investimento?
Uma das respostas está na ponta da língua do presidente do Boi de Santa Fé, Cláudio Henrique, um dos mais originais do governo do estado:
“O boi está saindo para fora do cordão, está deixando de ser o centro das atenções, sendo tolhido e colocado à margem. Perdeu-se a preocupação com auto, com a história, a mensagem e se transformou unicamente em espetáculo sensual, que destaca outros elemento. Não podemos interferir nisso, dizer que está errado, pois ninguém sabe qual é o futuro da brincadeira. Pode ser que seja mesmo o desaparecimento, mas temos a obrigação de mostrar a todos que está assim, como foi e como será”, disse Kátia Bogéa.
A intenção do Iphan é mostrar essas vicissitudes a quem faz o boi para que eles – a comunidade, os brincantes reajam [ou não] a essa situação – para que mudem por si só a história da brincadeira, mantenham suas tradições ou descambem na decadência.
O inventário [Conteúdo]
- Dossiê (200 páginas)
- Sete volumes impressos /1450 páginas – com assinaturas, termo de adesão e outras informações, gravados em DVDs
- Três álbuns de fotografias sobre o bumba-meu-boi no Maranhão
- 17 livros, quatro teses, oito dissertações, duas monografias, 10 artigos científicos e mais artigos de revistas, material de imprensa
- Mais de 50 CDs de grupos de bumba-boi
Passo-a-passo para o título
1) Inventário será analisado por uma comissão jurídica
2) Se aprovado em todas as exigências ao decreto que institui o bem imaterial brasileiro, será encaminhado ao presidente do Iphan em Brasília
3) Após análise, o presidente do Iphan encaminhará o material a um relator, que faz parte do conselho do órgão (Kátia Bogéa espera que seja designado o mineiro Felipe Andréas, que tem forte ligação com o Maranhão e passou 20 anos no estado)
4) O conselheiro escolhido fará um parecer sobre a solicitação depois da analisar todo o material do inventário e levará à reunião do Conselho, que ocorre a cada três meses
5) Na reunião do Conselho, será decidido segundo o parecer do relator se é ou não concedido o título de bem imaterial do Brasil ao bumba-meu-boi (A superintendente do Iphan espera que o pedido seja julgado na reunião de maio e que em junho já se possa comemorar o título em pleno período junino – o que dependerá de uma boa articulação política dentro do Iphan e de ampla discussão sobre a brincadeira, que está presente entre os folguedos de diversos estados brasileiros)
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Crédito de fotos/ Flora Dolores, do jornal O Estado do Maranhão
Está perdendo o foco que deveria ter como manifestação popular, está se transformando em empresas, voltando-se apenas para os fins lucrativos, para uma amostra de caráter turístico e mais profundamente econômico. O pessimismo está nas constatações levantadas pelo Iphan, no dossiê Complexo Cultural do Bumba-meu-boi do Maranhão, que acompanhado com um vasto material mais de 1.450 páginas com informações sobre a brincadeira junina no estado, CDs, DVDs e álbuns fotográficos, será enviado para a direção do órgão em Brasília, que decidirá sobre a solicitação do título de patrimônio imaterial.
Outra dúvida que surge sobre a aceitação do Iphan, em Brasília da proposta é o fato do bumba-boi ser uma brincadeira que ocorre em todo o norte e nordeste – apesar de claramente ter maior amplitude e diversidade no Maranhão, resultante de uma fusão das culturas de origem lusitana, indígena e negra. Na região amazônica, há o Boi de Parintins, que é um espetáculo de repercussão internacional e se concentra na disputa entre dois grupos – Caprichoso e Garantido.
Kátia Bogéa apresenta material do INRC do bumba-meu-boi
Pesquisa sobre o boi
Em coletiva, realizada nesta quinta-feira (10), com a presença de representantes de grupos de bumba-meu-boi e representantes de autoridades políticas e de instituições de pesquisa, a superintendente regional do Iphan, Kátia Bogéa, apresentou o Inventário Nacional de Referências Culturais do Bumba-meu-boi do Maranhão, que começou há ser composto em 2001. Sob a coordenação da pesquisadora Izaurina Nunes, o trabalho de 10 anos resultou em uma caixa, carregada de documentos, que tratam sobre o universo, a história e a atual realidade da brincadeira junina no estado. Por que tanto tempo? “Porque o bumba-boi é um movimento cultural amplo e complexo e para que fosse feito um recolhimento minucioso que atendesse a todas as exigências do decreto 3.551, que institui o tombamento dos bens imateriais”, responde Kátia Bogéa.
Em coletiva, realizada nesta quinta-feira (10), com a presença de representantes de grupos de bumba-meu-boi e representantes de autoridades políticas e de instituições de pesquisa, a superintendente regional do Iphan, Kátia Bogéa, apresentou o Inventário Nacional de Referências Culturais do Bumba-meu-boi do Maranhão, que começou há ser composto em 2001. Sob a coordenação da pesquisadora Izaurina Nunes, o trabalho de 10 anos resultou em uma caixa, carregada de documentos, que tratam sobre o universo, a história e a atual realidade da brincadeira junina no estado. Por que tanto tempo? “Porque o bumba-boi é um movimento cultural amplo e complexo e para que fosse feito um recolhimento minucioso que atendesse a todas as exigências do decreto 3.551, que institui o tombamento dos bens imateriais”, responde Kátia Bogéa.
Diversidade
Estiveram em foco – principalmente – as informações referentes à brincadeira como uma expressão da dança e da música e foram ainda apontadas no dossiê as características mais humanas e peculiares da brincadeira junina, como o seu forte vínculo com a religiosidade.
Para Izaurina Nunes, coordenadora do INRC, a religiosidade é uma das mais marcantes características da manifestação popular no estado. “Pode-se ver que o boi no Maranhão não é oferecido apenas a São João, mas ele tem um intenso diálogo com outros santos católicos [São Marçal, a quem os bois oferecem glórias no último dia de junho, é um exemplo disso – grifo]. Sabe-se que a brincadeira também é levada aos terreiros de tambor de mina, onde são cantadas toadas para os encantados e cablocos [entidades espirituais da religião de origem africana, com suas diversas incorporações aos ritos religiosos indígenas no estado - grifo]”, explicou ela.
Estiveram em foco – principalmente – as informações referentes à brincadeira como uma expressão da dança e da música e foram ainda apontadas no dossiê as características mais humanas e peculiares da brincadeira junina, como o seu forte vínculo com a religiosidade.
Para Izaurina Nunes, coordenadora do INRC, a religiosidade é uma das mais marcantes características da manifestação popular no estado. “Pode-se ver que o boi no Maranhão não é oferecido apenas a São João, mas ele tem um intenso diálogo com outros santos católicos [São Marçal, a quem os bois oferecem glórias no último dia de junho, é um exemplo disso – grifo]. Sabe-se que a brincadeira também é levada aos terreiros de tambor de mina, onde são cantadas toadas para os encantados e cablocos [entidades espirituais da religião de origem africana, com suas diversas incorporações aos ritos religiosos indígenas no estado - grifo]”, explicou ela.
Material de pesquisa coletado pelo Iphan nos últimos 10 anos
Outras peculiaridades dos grupos de bumba-boi do Maranhão são autos (história do boi que é morto para que Catirina coma a sua língua, contada por personagens – vaqueiros diversos, cablocos, índias e índios – em dança e toada); os belos e ricos arranjos artesanais nas fantasias, nos chapéus e a variedade musical, que se mantém sobre poesia (toadas) e ritmos (sotaques – matraca, orquestra, zabumba, costa de mão, baixada e outros).
A conclusão do inventário já é um resultado a ser comemorado, pois foi levantada uma verdadeira biblioteca sobre a manifestação cultural no Maranhão. São teses, monografias, fotografias, arquivos de vídeo e áudio, que estarão a acesso de pesquisadores e que deixarão guardada, para a posterioridade, a essência do bumba-boi. “É uma forma do brincante não perder a sua referência. Vasculhamos em todas fontes possíves as informações sobre o folguedo, que teve o seu primeiro registro em uma ocorrência policial do século XIX”, disse Izaurina Nunes.
A conclusão do inventário já é um resultado a ser comemorado, pois foi levantada uma verdadeira biblioteca sobre a manifestação cultural no Maranhão. São teses, monografias, fotografias, arquivos de vídeo e áudio, que estarão a acesso de pesquisadores e que deixarão guardada, para a posterioridade, a essência do bumba-boi. “É uma forma do brincante não perder a sua referência. Vasculhamos em todas fontes possíves as informações sobre o folguedo, que teve o seu primeiro registro em uma ocorrência policial do século XIX”, disse Izaurina Nunes.
Do título à descaracterização
Na entrevista, foram expostos os motivos para o pedido do registro do bumba-meu-boi como bem imaterial brasileiro. O título de patrimônio, de acordo com Kátia Bogéa, traz a responsabilidade de se cuidar da continuidade da brincadeira. Faz o Governo Federal se preocupar com a manutenção e a conservação de um bem imaterial – que é denominado assim, porque está em constante modificação, ao longo de sua história e de suas incidências. Ou seja, a cada arraial há uma forma de se dançar e tocar o bumba-boi nos arraiais do Maranhão, ele se modifica. “É claro que o Iphan não pode interferir no processo de evolução ou desaparecimento de uma brincadeira, contudo é preciso manter um registro de como ela surgiu e como ela vai se modificando com o passar dos anos. É essa a primeira função do inventário”, ponderou a superintendente.Em meio às perguntas de jornalistas foram levantadas questões que apontaram para um desaparecimento da essência do bumba-meu-boi [a manifestação folclórica que mais tem incentivo em recursos financeiros do poder público]. Como poderia estar perdendo o foco, estar desaparecendo, estar perdendo algo se ganha a cada ano mais investimento?
Uma das respostas está na ponta da língua do presidente do Boi de Santa Fé, Cláudio Henrique, um dos mais originais do governo do estado:
Todos os representantes de grupos folclóricos presentes criticaram a atual situação do bumba-boi no estado. Reclamaram das perdas de cordões, da falta de interesses de novos brincantes – que agora querem participar apenas com pagamento de cachês – e cobraram ações de conscientização da origem da brincadeira. Essa conscientização – segundo Kátia Bogéa – é o trabalho que o Iphan deve fazer com a compilação do inventário.“É claro que a cada dia está mais caro fazer o bumba-boi, pois o trabalho é custoso. Mas vemos que muitas pessoas têm transformado a brincadeira em empresas e criado bois apenas com fins lucrativos, sem a preocupação com a sua origem. Conseguimos diferenciar quem coloca o boi para fazer uma brincadeira de coração e os outros que querem apenas lucrar”
Cláudio Henrique, presidente do bumba-meu-boi de Santa Fé
“O boi está saindo para fora do cordão, está deixando de ser o centro das atenções, sendo tolhido e colocado à margem. Perdeu-se a preocupação com auto, com a história, a mensagem e se transformou unicamente em espetáculo sensual, que destaca outros elemento. Não podemos interferir nisso, dizer que está errado, pois ninguém sabe qual é o futuro da brincadeira. Pode ser que seja mesmo o desaparecimento, mas temos a obrigação de mostrar a todos que está assim, como foi e como será”, disse Kátia Bogéa.
A intenção do Iphan é mostrar essas vicissitudes a quem faz o boi para que eles – a comunidade, os brincantes reajam [ou não] a essa situação – para que mudem por si só a história da brincadeira, mantenham suas tradições ou descambem na decadência.
Mais
O inventário [Conteúdo]- Dossiê (200 páginas)
- Sete volumes impressos /1450 páginas – com assinaturas, termo de adesão e outras informações, gravados em DVDs
- Três álbuns de fotografias sobre o bumba-meu-boi no Maranhão
- 17 livros, quatro teses, oito dissertações, duas monografias, 10 artigos científicos e mais artigos de revistas, material de imprensa
- Mais de 50 CDs de grupos de bumba-boi
Passo-a-passo para o título
1) Inventário será analisado por uma comissão jurídica
2) Se aprovado em todas as exigências ao decreto que institui o bem imaterial brasileiro, será encaminhado ao presidente do Iphan em Brasília
3) Após análise, o presidente do Iphan encaminhará o material a um relator, que faz parte do conselho do órgão (Kátia Bogéa espera que seja designado o mineiro Felipe Andréas, que tem forte ligação com o Maranhão e passou 20 anos no estado)
4) O conselheiro escolhido fará um parecer sobre a solicitação depois da analisar todo o material do inventário e levará à reunião do Conselho, que ocorre a cada três meses
5) Na reunião do Conselho, será decidido segundo o parecer do relator se é ou não concedido o título de bem imaterial do Brasil ao bumba-meu-boi (A superintendente do Iphan espera que o pedido seja julgado na reunião de maio e que em junho já se possa comemorar o título em pleno período junino – o que dependerá de uma boa articulação política dentro do Iphan e de ampla discussão sobre a brincadeira, que está presente entre os folguedos de diversos estados brasileiros)
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Crédito de fotos/ Flora Dolores, do jornal O Estado do Maranhão
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