sábado, 4 de setembro de 2010

Viriato Corrêa: um maranhense no cenário da literatura infantil


Thaís Carvalho Fonseca
Especial para o Alternativo

É apenas na década de vinte que o Brasil conquista sua primeira obra infanto-juvenil genuinamente brasileira, com a “Menina do Narizinho arrebitado”, 1921, de Monteiro Lobato. Antes disso apenas havia em nosso país traduções e adaptações dos clássicos infantis europeus, de autores como Grimm, Perrault e Andersen, além de algumas obras de cunho nacionalista e moralista, inspiradas em obras estrangeiras como “Cuore”, de De Amicis. Lobato foi indiscutivelmente o primeiro autor brasileiro realmente atento às necessidades infantis, acompanhando dessa forma as tendências do movimento da Escola Nova, comandado por Anísio Teixeira, e a uma nova visão do nacionalismo, preocupada com as muitas realidades desprezadas pelos brasileiros. Porém Lobato não permanece sozinho em suas aspirações inovadoras através de seu Sítio. Outros autores também iniciam um quadro de mudanças na literatura infanto-juvenil e entre eles encontramos um maranhense talvez um tanto desconhecido pela atual geração de leitores: Viriato Corrêa.

Experiências infantis - Dentre as obras deste autor, destaca-se Cazuza, livro na qual Viriato relata saudosamente suas experiências infantis e aproveita para tecer inúmeras críticas sociais, além de oferecer lições aos seus pequenos leitores. A fórmula utilizada pelo escritor é a mesma de outros autores brasileiros e europeus da literatura infanto-juvenil, o amor ao cenário campestre, lugar favorito das aventuras infantis, a própria criança como protagonista de suas aventuras, a fim de facilitar o aspecto educativo da obra infantil. Mas o tom de crítica exposto por Viriato é algo tão inovador quanto a língua afiada da boneca Emília. Assim como esta parecia uma porta voz das ideias revolucionárias de seu criador, Cazuza relata suas lembranças num tom muito crítico, já que como adulto que recorda uma infância podia compreender melhor as passagens de sua vida e o significado social de tudo o que viveu.

Viriato denuncia através de uma realidade concreta, vivenciada por uma criança, sem utilizar elementos fantásticos e maravilhosos, algo bem típico na literatura especializada a crianças e jovens. O autor busca episódios marcantes da vida de Cazuza e a partir deles tece explicações sobre a sociedade da época, como, por exemplo, quando narra a euforia de Cazuza ao se mudar de Pirapemas para a vila de Coroatá, na época, a cidade mais deslumbrante que o menino já vira.

Cazuza foi uma criança extremamente apaixonada pelo campo, ele chega a afirmar que “ O Sítio de tia Mariquinhas foi o maior encanto da meninice das minhas calças curtas”, pela tranquilidade e delícia natural do lugar. No entanto, o campo é exposto por Viriato como um local de atraso, onde a educação funciona através de castigos físicos e pela indiferença e ignorância dos mais velhos pelos problemas infantis, chegando ao ponto de o velho professor João Ricardo não perceber que o seu aluno Pata-choca não tinha bom desempenho escolar, pois o menino estava cheio de “bichas” e, devido a isso, comia terra e tinha muita moleza.
Quando Cazuza muda-se para vila, o sistema educacional é outro, com professoras extremamente preocupadas com o mundo das crianças. No ambiente urbano, o trabalho e o estudo passam a ser mais valorizados, e o status social aristocrático é a todo o momento questionado na figura de Sinhozinho, filho do homem mais rico da vila.

Viagem à Ilha - O ponto alto da obra é a ida de Cazuza para São Luis, na busca de aperfeiçoar os estudos. É na cidade que encontramos a figura do Prof. João Câncio, um educador apaixonado pelo seu trabalho, pela cultura e pelo país. É através dessa personagem que Cazuza irá compreender valores importantes, como a igualdade dos seres humanos e o verdadeiro patriotismo, que reconhece a importância do papel do negro, do índio e do trabalhador de enxada.

A obra de Viriato, apesar do tom profundamente moralista e educativo, é feliz em suas críticas sociais. Cazuza não deixa de sentir saudades de sua terra e de sua gente do campo, mas reconhece que apenas adquiriu cultura quando pôde ir aos centros urbanos. A dura realidade do meio rural brasileiro, esquecido pelas autoridades políticas, é questionada em sua trajetória campo-cidade. Além disso, o meio urbano não é colocado como perfeito, já que ainda sofre com as diferenças sociais e com a dificuldade de acesso à educação pelos mais pobres.

Viriato Corrêa expõe todos esses problemas de uma maneira muito singela, tocando o coração do seu jovem leitor, já que as principais vítimas dos males sociais são as crianças. A obra desse maranhense deve ganhar espaço no meio escolar, principalmente dos estudantes maranhenses que devem conhecer o que há de bom em sua terra. A leitura dos grandes clássicos não é o suficiente, pois não coloca a criança em contato com a sua realidade. A obra de Viriato, apesar de escrita em 1938, ainda trata de muitos problemas atuais, proporcionando ao leitor um delicioso passeio pelos ambientes tipicamente brasileiros, em especial em nossas belas paisagens e costumes maranhenses.

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