Cileide Alves16 hrs ago3 min read
Cunha mirou um alvo, acertou outro
Sem
querer o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ)
ofereceu ao Brasil uma grande oportunidade ao realizar a sessão de
votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff em um domingo para o
brasileiro acompanhar ao vivo.
Cunha
mirou em um alvo. Queria que o Brasil parasse em frente à TV e, assim,
constrangesse os parlamentares contrários ao impeachment a votar a favor
da presidente. Difícil saber se esse alvo foi atingido. A julgar pelos
discursos eloquentes de todos os que votaram no governo, parece que não
houve constrangimento.
O
presidente da Câmara, entretanto, acertou outro alvo. A sessão deste
domingo (17) foi extremamente educativa. A transmissão ao vivo permitiu
aos brasileiros conhecer melhor seus representantes no Parlamento. E o
que viram não foi nada interessante.
As
declarações de voto da imensa maioria dos deputados revelaram a baixa
qualidade política dos nossos representantes e beiraram à bizarrice ou a
uma ópera bufa. Houve declaração de voto pelo aniversário da neta,
oferecimento à mulher, a pais e mães, a filhos, netos, tios, sobrinhos,
todos citados nominalmente. Votos pela “família quadrangular”, pelos
“fundamentos do cristianismo”, pelos princípios que ensinou à filha, a
Deus etc. Teve cenas hilárias, como a do deputado que levou o filho para
votar por ele. Cunha agiu rápido e o impediu. O voto do dito cujo era
pelo impeachment e poderia ser anulado.
Todavia
nem tudo foi piada. Houve momento de terror: o voto do deputado Jair
Bolsonoro (PSC-RJ). “Eles perderam em 1964 e vão perder em 2016”, disse
ele comparando o atual momento político brasileiro com a vitória do
golpe militar. Disse que derrotaria “os comunistas” e prestou homenagem
ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-CODI do II
Exército, e um dos maiores representantes dos torturadores da ditadura
militar.
A
população espera mudança, acredita que o país viverá uma nova história a
partir da aprovação do impeachment por 367 votos favoráveis, 137
contrários, 7 abstenções e 2 ausências. No entanto, não há como nos
iludir. Assistindo aos discursos ficamos cara a cara com quem nos
representa. Não sou ingênua, mas até eu que sou veterana em coberturas
políticas me assustei com esse encontro, sem intermediário, com os
deputados. A população, mais distante desses círculos, deve ter se
assustado mais ainda.
Vimos
parlamentes despreparados, sem formação política, sem treino para a
oratória, que deveria ser uma das qualidades de um bom político. Muitos
berraram, pois confundem contundência política com grosseria. Ouvimos
falar muito do “baixo clero”, mas poucos sabem bem o que é baixo clero e
seu tamanho. A sessão deste domingo confirmou que ele existe e que é
bem maior do que poderíamos imaginar.
Então
me pergunto: como eles conseguiram passar no “vestibular” da eleição se
são tão incapacitados para o exercício da função parlamentar? Uma das
respostas pode estar no financiamento das campanhas. Ressalvando as
exceções de meia dúzia de parlamentares que se elegeram pelo conjunto de
seus trabalhos, a maioria chegou lá graças a caríssimas campanhas
eleitorais. Em 2014, ouvia-se no meio político que a eleição de um
deputado federal não custaria menos de R$ 4 milhões. Óbvia a conclusão
de que com dinheiro não é necessário ter preparo para o exercício da
função. Basta ter ricos doadores. É como comprar o mandato.
Dilma Rousseff caiu na Câmara, e certamente cairá no Senado, mas essa mesma Câmara que conhecemos hoje continuará lá. Nós
devemos um agradecimento especial ao Eduardo Cunha por ter nos
possibilitado ficar face a face com os parlamentares que ele lidera.
Tomara que essa exposição por seis longas horas pela TV contribua para
que nós eleitores melhoremos a qualidade de nosso voto. Não podemos nos
esquecer do aprendizado de hoje para qualificar a nossa escolha nas
eleições. E já, na eleição de outubro.
Cileide Alves
Jornalista, especializada em política, e mestre em História pela Universidade Federal de Goiás. cileide.alves@gmail.com
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