Em 2016 passam a valer de fato as novas regras ortográficas em oito países que falam a língua portuguesa. Mudança endurece critérios em exames e concursos
ACORDO ORTOGRÁFICO
01/01/2016 - 09h22
Correio Braziliense
A partir de hoje, 1º de janeiro de 2016, qualquer manifestação
escrita em língua portuguesa será regida obrigatoriamente pelas novas
normas do Acordo Ortográfico. Apesar de aprovado em 2009, foi dado um
prazo de seis anos de transição em que as ortografias antiga e nova
poderiam ser usadas. O prazo acabou ontem, dia 31. Agora, vários
vocábulos sofrerão mudanças no uso de hífen e na acentuação de verbos e
palavras homógrafas (aquelas com mesma grafia, mas com significados
diferentes); haverá a extinção do trema; e algumas consoantes serão
incluídas oficialmente no alfabeto. Ainda assim, as modificações
atingirão apenas 0,8% do total de palavras usadas no Brasil.
As alterações passam a servir de base
para exames e concursos, ou seja, até ontem, ninguém perderia nota se
usasse a grafia antiga. Agora, só valem as regras novas nas provas.
Ao todo, oito países falam
oficialmente a língua portuguesa: Angola, Brasil, Cabo Verde,
Guiné-Bissau, Timor-Leste, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe.
Com o acordo, a língua escrita será a mesma. Boa parte das formas
escrita, no Brasil, como livros e publicações, já adaptaram seu
vocabulário às mudanças. A maioria das editoras e meios de comunicação
adotou as normas em janeiro de 2009, assim como o Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD).
Embora a absorção esteja avançada,
muita gente ainda se perde para identificar o que mudou. Entre as
alterações mais complicadas estão o uso do hífen e a acentuação. Uma das
regras diz que as palavras com letras iguais são separadas com o sinal
de pontuação. Nas com letras diferentes, juntam-se. Exemplo:
“anti-inflamatório” e “neoliberalismo”.
A acentuação gráfica altera, por
exemplo, as oxítonas terminadas em "a", "e", "o", "êm", “ém" e "êns" no
plural ou no singular. É o caso de “voo”, “enjoo”, “leem” e “veem”. As
paroxítonas terminadas ditongos crescentes, como “eia” e “oia”, não têm
mais acento. Por exemplo: “boia”, “jiboia”, “ideia” e “assembleia”. Como
o trema foi abolido, agora escrevemos “frequente” e “sequestro”.
Padronização
O objetivo da unificação é padronizar a
língua e facilitar a comunicação e o intercâmbio entre os oito países.
Arnaldo Nieskier, decano e acadêmico da Academia Brasileira de Letras
(ABL), defende a reforma. “Se oito países falam português oficialmente,
eles devem ter uma língua só, uma mesma ortografia”, disse. “É muito
difícil que cada país fale sua própria língua, sem consenso, e isso vira
uma bagunça.” Nieskier argumenta que a reforma vai trazer credibilidade
para o idioma, tornando-o oficial em face da comunidade internacional.
“Precisamos unificar a língua, para que o português passe a ser uma
língua oficial no rol de idiomas da ONU, o que ainda não aconteceu.”
O professor e presidente da Vestcon
Cursos, Ernani Pimentel, condena o acordo. Para ele, o tratado é uma
imposição, por não ter sido decidido em um debate aberto e complicar em
vez de simplificar. A reforma seria “retrógrada”. “O acordo tem uma
vantagem em buscar a padronização do idioma em países de língua
portuguesa, mas há muitos problemas que não foram resolvidos”, avalia.
“Por exemplo, ‘x’ e ‘ch’ tem o mesmo som, mas por que não deixar um e
eliminar o outro, economizar, simplificar? O acordo não fez nada, não
coordenou nada.”
Para ele, a reforma é ineficiente,
pois nota-se a dificuldade de se aprender a ortografia nas escolas.
“Olhando com atenção, professores de português fogem do capítulo de
ortografia”, conta Pimentel. “Eles não têm resposta para as dúvidas dos
alunos, como por que uma palavra é escrita com ‘x’ ou ‘ch’ se eles têm o
mesmo som. Não sabem explicar, se baseiam na etimologia, que parece
correta, mas não tem base científica.”
As tentativas de unificar a ortografia
da língua portuguesa são antigas. As primeiras vêm do início século 20,
em 1907. Em 1990, Portugal estabeleceu o primeiro modelo ortográfico,
obrigatório em publicações oficiais e materiais de ensino. À época, a
Academia Brasileira de Letras (ABL) e a Academia de Ciências de Lisboa
apresentaram a base do tratado ortográfico. Ele deveria ter sido sido
colocado em prática em 1994, mas o projeto não foi confirmado por todos
os países-membros, que à época eram apenas sete, pois o Timor-Leste
ainda não era independente e sequer falava a língua portuguesa
oficialmente.
De 1907 a 2004, foram 18 tentativas de
aproximar as ortografias. Entre essas negociações, até 2009, só duas
reformas foram concretizadas. Em 1943 foi redigido o primeiro Formulário
Ortográfico, um protótipo que visava diminuir as divergências
ortográficas com Portugal. Nesta, houve a extinção completa de
consoantes mudas como “Egipto” ou “acção”, por exemplo. Já em 1971,
aboliram o acento diferencial, para palavras homógrafas, como “êle”
(pronome) e “ele” (nome dado a letra “L”).
Artigo
Bisturi nas palavras
Quem fica parado é poste? É. Como não é
poste, a língua se move. O século passado trouxe várias reformas
ortográficas. Graças a elas, pharmacia deixou o ph pra lá, govêrno
perdeu o chapéu, cafèzinho abandonou o grampo. No primeiro dia de 2009,
novas alterações entraram em cartaz. Palavras entraram no bisturi.
Ganharam cara diferente.
Reações pipocaram aqui e ali. Algumas
tímidas. Outras furiosas. Acusavam a reforma de tímida. Ela poderia ter
simplificado mais a língua. Os críticos ignoraram pormenor importante: o
acordo não visava à simplificação da língua. Visava padronizar as
grafias de Portugal e do Brasil. Nos documentos internacionais, cada
país exigia o seu jeito de escrever. Resultado: produziam-se dois
textos. Que humilhação!
Os esperneios surtiram efeito.
Alegando que os professores não tinham tido tempo de aprender a
novidade, o Planalto deu mais três anos de sobrevida ao cadáver. Foi
injustiça com os mestres. Eles, como a imprensa, entraram na onda desde
1º de janeiro de 2009. Afinal, a mudança é tão pouca que se aprende em
10 minutos. E tão simples quanto andar pra frente. Os grandões
desaprenderam meia dúzia de regras. Os pequeninos nem precisam aprender.
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