Cultural da Humanidade
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O título concedido pela UNESCO foi um reconhecimento a excepcionalidade do centro histórico da capital maranhense. A data será lembrada com programação especial.
Foto: Arquivo/Geraldo Furtado/Secom.
Engenheiro civil que participou da elaboração do dossiê enviado à Unesco conta detalhes do processo.
Maurício Araya/Imirante
SÃO LUÍS – Nesta quinta-feira (6), a capital maranhense, São Luís, completa 15 anos como cidade patrimônio cultural da humanidade. A cidade foi tombada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 1997. A cidade possui um acervo arquitetônico colonial avaliado em mais de três mil prédios, distribuídos por mais de 220 hectares de Centro Histórico, sendo, em grande parte, sobrados com mirantes, que reúnem características particulares, como o revestimento com azulejos portugueses, a arquitetura europeia e seus famosos telhados.
Entre as edificações que ganham destaque no Centro Histórico de São Luís, estão: o Palácio dos Leões (sede administrativa do governo do Estado do Maranhão, cuja origem remonta o 8 de setembro de 1612, quando a cidade foi fundada por franceses), o Palácio de La Ravardière (sede da Prefeitura de São Luís, inaugurado em 1689), a Catedral de São Luís (conhecida, também, como Catedral de Nossa Senhora da Vitória ou Catedral da Sé), o Palácio Episcopal, o Convento do Carmo, o Convento das Mercês, a Casa das Tulhas, as igrejas do Rosário e do Desterro, a Casa das Minas, das Fontes e das Pedras, o Teatro Arthur Azevedo, entre outros. Na declaração de valor universal da Unesco, está expresso que "o Centro Histórico de São Luís é um exemplo excepcional de cidade colonial portuguesa adaptada às condições climáticas da América do Sul equatorial e que tem conservado dentro de notáveis proporções o tecido urbano harmoniosamente integrado ao ambiente que o cerca" – leia mais sobre o assunto.
Foto: Arquivo/Douglas Jr./O Estado.
Todo o acervo da cidade foram documentado em um dossiê enviado à Unesco para tornar a capital maranhense patrimônio cultural da humanidade. De acordo com o engenheiro civil Luiz Phelipe de Carvalho Castro Andrés, um dos responsáveis pelo dossiê, a iniciativa partiu da, então, gestão da governadora Roseana Sarney, em outubro de 1996, quando o projeto, ainda, era tratado com sigilo. "Uma comissão técnica, chefiada pelo arquiteto argentino Julio Morosi, teve a missão de, em uma semana, conhecer a cidade, tal como ela é, analisando as condições, o estado de conservação, tudo o que estava sendo feito para preservar. Era a inspeção deles. Nesse meio tempo, nós vínhamos elaborando o dossiê, que é um modelo de formulário, que não se exige que seja muito luxuoso, mas, sim, prático e objetivo, e não pode ser muito grande", afirmou em entrevista ao Imirante na manhã desta quinta-feira (6). A comissão se reúne, por cinco dias, para analisar as propostas do mundo inteiro. Na reunião, seriam analisados, ao todo, 43 sítios históricos. Em 1997, a partir de março, iniciou-se a tramitação do processo de reconhecimento de São Luís como patrimônio cultural da humanidade, que inclui a avaliação de diversos comitês, formados por técnicos, engenheiros e arquitetos de vários países.
Andrés conta uma passagem inédita, que colocou em risco o título que poderia ser concedido a São Luís. Segundo ele, poucos dias antes, a comissão formada por representantes brasileiros tomou conhecimento que a concessão do reconhecimento como patrimônio cultural da humanidade a São Luís estava condicionada a um estudo comparativo entre cidades da América Latina, sob a incumbência do arquiteto argentino Ramón Gutierrez, que não havia sido concluído. "Nós íamos voltar para casa dizendo, ‘olha, não deu’. Teria sido terrível, porque quando havíamos saído daqui, não era mais sigiloso. Já havia a notícia de que São Luís ia a julgamento", diz. Devido a uma sugestão da arquiteta Dora Alcântara, que fazia parte da comissão brasileira, São Luís foi dispensada do estudo comparativo, com o argumento de que todas as outras cidades da América Latina tiveram sua arquitetura sob influência espanhola, ao contrário do caso de São Luís, cuja influência era portuguesa.
O engenheiro aproveitou a oportunidade, também, para fazer justiça ao arquiteto americano John Gisiger, que, em 1979, foi o primeiro a elaborar um projeto de revitalização da área do Centro Histórico de São Luís, que, anos depois, daria origem e ajudaria a embasar o "Projeto Reviver".
Patrimônio ameaçado?
Foto: Reprodução/Internet.
Com o desenvolvimento da cidade, que, hoje, conta com uma população de 1.014.837 habitantes, segundo dados do Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Centro Histórico de São Luís acabou sofrendo influência da modernidade. Uma das boas influências foi a construção da Praça Maria Aragão, uma das obras do arquiteto Oscar Ribeiro de Almeida de Niemeyer Soares Filho na região Nordeste do país, homenagem à médica e professora Maria José Camargo Aragão, que foi amiga pessoal de Oscar Niemeyer e é referência na luta pelas causas sociais. Na noite dessa quarta-feira (5), aos 104 anos, o arquiteto morreu após internação de pouco mais de um mês no Hospital Samaritano, Rio de Janeiro.
Foto: Arquivo/Flora Dolores/O Estado.
Por outro lado, o acervo arquitetônico tombado pela Unesco é ameaçado por diversas influências negativas e, sobretudo, por concentrar atividades comerciais no local. Para dar lugar a estacionamentos privados, que surgem pela falta de vagas de estacionamento nas ruas estreitas do Centro Histórico – em função da grande demanda –, casarões foram descaracterizados e alguns até demolidos. Os estacionamentos funcionam por meio de liminares concedidas pela Justiça. A Promotoria de Defesa do Meio Ambiente, Urbanismo e Patrimônio Histórico do Ministério Público do Estado do Maranhão (MP-MA) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), no entanto, seguem com o trabalho de fiscalização e notificação dos proprietários. Leis municipais, estaduais e federais garantem a preservação do patrimônio histórico.
O engenheiro civil contesta, entretanto, o pensamento que considera "derrotista". "Existe risco de perder o título? Se você abandonar, destruir esse conjunto, claro que existe, porque o título existe em função do acervo. Se perder o acervo, perde o título. Mas nós estamos muito longe de perder esse acervo. A maior parte dos prédios está aí. Dentre mais de cinco mil prédios, vamos supor que 100 prédios em ruínas, não é nem 2% do conjunto. Eu não acredito que a sociedade, que já demonstrou ter sensibilidade para isso, vá aceitar que se destrua esse conjunto, de maneira nenhuma", defende.
Ele defende que os prédios históricos podem ser utilizados como equipamentos social e cultural, desde que haja bons projetos. Como exemplo, ele cita o Museu da Língua Portuguesa, Escola de Música, Convento das Mercês, Fábrica do Rio Anil, restaurante-escola do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Centro de Criatividade Odylo Costa Filho, etc. E defende, ainda, que a preservação do conjunto arquitetônico deve ser feita em âmbito municipal. "Quando nós estamos falando de Centro Histórico, nós não estamos falando somente de pedra e cal. Nós estamos falando da vida que pulsa ali, da cultura popular, do tambor de crioula, do bumba meu boi, da festa do Divino, da culinária, do artesanato, daquela gente que está ali, trabalhando, do feirante, do pescador. Toda essa riqueza está aí, e não está se perdendo", completa.
Livro
Foto: Maurício Araya/Imirante.
Nesta sexta-feira (7), Luiz Phelipe Andrés lança o livro "São Luís, reabilitação do Centro Histórico", que remonta todo o período de 1979 a 2006, quando houve investimentos para a revitalização da área, e crônicas sobre os bastidores de todo o processo de reconhecimento de São Luís como patrimônio cultural da humanidade. O lançamento ocorre às 17h, na Fonte das Pedras. A publicação conta com o apoio da Unesco, Iphan e Ministério da Cultura (Minc).
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