Texto do Acordo não deixa claro como ficará a grafia de uma série de palavras
Palavras chaves: acordo, língua, ortografia
quinta-feira, janeiro 1, 2009, 10:13
O Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa passa a valer a partir de hoje no Brasil. O período de transição para que a população se adapte às mudanças vai até o fim de 2012 –a partir de 1º de janeiro de 2013, a nova ortografia será a única considerada correta.
Apesar de escolas, editoras e meios de comunicação já começarem a se adaptar, o texto do Acordo não esclarece a grafia de uma série de palavras.
Segundo a ABL (Academia Brasileira de Letras), a definição só sairá com a publicação de um novo Volp (”Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa”). Com a função de registrar a forma oficial de escrever as palavras, o Volp só deve ser publicado em fevereiro, com cerca de 300 mil termos.
“O Volp deveria ter ficado pronto em 2008″, afirma José Carlos de Azeredo, doutor em letras pela Universidade Federal do Rio Janeiro e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. “Os editores já precisavam dele para usá-lo como fonte de orientação”, afirma Azeredo, que coordenou o guia “Escrevendo pela Nova Ortografia” (parceria entre a Publifolha e o Instituto Houaiss), que detalha as novas regras. “Isso tem que ser reconhecido como uma falha”, diz.
Azeredo conta que sua equipe no Instituto Houaiss enfrentou uma série de problemas por não ter o Volp como base de pesquisa. “Além disso, o texto do Acordo é muito genérico, principalmente em relação ao uso do hífen”, afirma.
Na opinião de Azeredo, o Brasil deveria ter feito uma edição limitada do “Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa” antes de o Acordo ter entrado em vigor. “Depois, lançaria uma edição maior.”
Até mesmo Evanildo Bechara, membro da ABL e considerado a autoridade máxima no Brasil para decidir as possíveis pendências do Acordo, diz que está sujeito a erros. Em entrevista publicada na Folha na última segunda-feira, ele diz: “É claro que a interpretação que fiz está sujeita a erros. Só não erra quem não faz”.
Dúvidas
Segundo a consultora de língua portuguesa do Grupo Folha, Thaís Nicoleti de Camargo, as principais indefinições estão centradas na aglutinação ou no uso do hífen.
Daí surgem dúvidas como “subumano” ou “sub-humano”, “co-habitar” ou “coabitar” e “abrupto” ou “ab-rupto”. Quanto ao prefixo “re” (usado em palavras como “reeditar” ou “re-editar”), Thaís afirma que o Acordo não faz menção específica a ele, o que provoca diferentes interpretações.
Outra palavra que vem gerando dúvidas é “para-raios” (que perde o acento diferencial do “pára”). No “Minidicionário Aurélio da Língua Portuguesa”, grafa-se “pararraios”. Já o “Meu Primeiro Dicionário Houaiss” e o “Minidicionário Houaiss” grafam “para-raios”.
O motivo da dúvida é que o Acordo diz que devem ser aglutinadas, sem hífen, as palavras compostas quando “se perdeu, em certa medida, a noção de composição”, conceito usado na agora “paraquedas”.
Para Thaís, “é provável que a perda da percepção dos elementos constitutivos da palavra “pára-quedas” se deva à existência dos derivados “pára-quedista” e “pára-quedismo”. A ausência das palavras “quedista” e “quedismo” na língua favorece o processo natural de aglutinação”. “No caso de “pára-raios” e “pára-brisa”, isso não ocorre, pois não há derivados”, explica ela. Nesses casos, só há a perda do acento diferencial da forma “pára”, e não deve ser feita a aglutinação.
A recomendação de Thaís é adotar a grafia antiga apenas em casos de dúvidas causadas pela subjetividade do Acordo, para que a assimilação do novo sistema não seja adiada.
Saiba aqui o que muda a partir de hoje na gramática do País
Os brasileiros terão quatro anos para se acostumar com a mudança: Prepare-se! Os brasileiros vão precisar reaprender a escrever. Nesta quinta-feira, entrará em vigor a reforma ortográfica que pretende unificar a escrita da Língua Portuguesa no mundo todo. E essas mudanças são o tema uma série de reportagens de Tonico Ferreira.
Eis a prova de que a reforma é para valer. Livros didáticos já estão sendo impressos com a nova ortografia. Os alunos vão ver que ideia perdeu o acento, micro-ondas virou duas palavras separadas por hífen e que contrarregra perdeu o hífen e ganhou um R a mais.
É uma reforma parcial. O professor de português Pasquale Cipro Neto calcula que ela mexe em 0,5% das palavras e lembra que só muda a escrita, a gramática permanece a mesma.
"A língua é uma coisa, a ortografia é outra. É só uma reforma ortográfica. Reforma na maneira de grafar as palavras".
Os brasileiros terão quatro anos para se acostumar com a mudança. Nesse período, será permitido escrever tanto na antiga como na nova ortografia. Depois, só irá valer a nova. O ideal, no entanto, é adotar o novo português já no dia 1º de janeiro. Se é inevitável, por que adiar o problema? Veja quais são as principais mudanças:
As letras K, W, Y voltam oficialmente para o alfabeto. "Na prática, nós sempre usamos o k para as palavras estrangeiras, para as palavras derivadas tipo darwinismo que é com w, que vem de Darwin, shakespeariano com k, isso aí sempre continuou. As letras que voltaram, na minha opinião, voltaram para o lugar de onde nunca saíram", disse o professor de português Sérgio Nogueira.
O trema desaparece de vez da Língua Portuguesa, mas nada muda na pronúncia. Somem acentos de palavras como assembleia, creem, perdoo. "Perdoo, desse jeito, com dois "o", sem acento? A partir de 1º de janeiro vai estar certo? Vai mudar tudo mesmo".
Mudam também as regras do uso do hífen. Algumas palavras perdem. "Antissocial vai ser com dois esses?”.
Outras ganham o sinal. "O de baixo é mais certo. Acertei? Então o meu português não está tão ruim".
"Uma das dificuldades da implantação da reforma é você destruir uma memória visual anterior. Quer dizer, se você está acostumado a ver a palavra auto-retrato com hífen, infra-estrutura com hífen, extra-oficial com hífen, vai ser duro no início você se acostumar a juntar essas palavras inclusive dobrando R e dobrando S", disse o professor Sérgio Nogueira.
O jeito será apelar para o dicionário. Já há versões compactas atualizadas. O maior dicionário de português, com 230 mil palavras, no entanto, vai dar muito trabalho ao seu coordenador.
"Eu levarei no mínimo um ano para rever todos os 60 milhões de caracteres que ele tem", acredita lexicógrafo Mauro de Salles Villar.
Tudo para alcançar um objetivo: unificar a escrita nos oito países que têm o português como língua oficial. Muita gente está assustada com as mudanças. “Por que não vai ter como voltar nas escolas. Por exemplo, eu. Como voltar para aprender tudo isso?”, indaga uma mulher.
O educador José Everaldo Nogueira Júnior reconhece que vai exigir um certo esforço. Mas o ensino da língua nas escolas não será prejudicado. “Para o adulto é um pouco mais complicado, porque ele vai ter que reaprender. A criança, no processo de sistematização dessas regras, ela já vai aprendendo naturalmente".
Muitos jornais vão sair com a nova ortografia logo no primeiro dia do ano. E já há dezenas de livros explicando as mudanças em detalhes.
"As pessoas vão ter que procurar se instruir, ler um pouquinho para poder entrar nas novas normas. Mas é bom, claro que é bom".
ENTENDA AS REGRAS
Trema – desaparece em todas as palavras
Antes Depois
Freqüente, lingüiça, agüentar Frequente, linguiça, aguentar
* Fica o acento em nomes como Müller
Acentuação 1 – some o acento dos ditongos abertos éi e ói das palavras paroxítonas (as que têm a penúltima sílaba mais forte)
Antes Depois
Européia, idéia, heróico, apóio, bóia, asteróide, Coréia, estréia, jóia, platéia, paranóia, jibóia, assembléia Europeia, ideia, heroico, apoio, boia, asteroide, Coreia, estreia, joia, plateia, paranoia, jiboia, assembleia.
* Herói, papéis, troféu mantêm o acento (porque têm a última sílaba mais forte)
Acentuação 2 – some o acento no i e no u fortes depois de ditongos (junção de duas vogais), em palavras paroxítonas
Antes Depois
Baiúca, bocaiúva, feiúra Baiuca, bocaiuva, feiura
* Se o i e o u estiverem na última sílaba, o acento continua como em: tuiuiú ou Piauí
Acentuação 3 – some o acento circunflexo das palavras terminadas em êem e ôo (ou ôos)
Antes Depois
Crêem, dêem, lêem, vêem, prevêem, vôo, enjôos Creem, deem, leem, veem, preveem, voo, enjoos
Acentuação 4 – some o acento diferencial
Antes Depois
Pára, péla, pêlo, pólo, pêra, côa Para, pela, pelo, polo, pera, coa
* Não some o acento diferencial em pôr (verbo) / por (preposição) e pôde (pretérito) / pode (presente). Fôrma, para diferenciar de forma, pode receber acento circunflexo
Acentuação 5 – some o acento agudo no u forte nos grupos gue, gui, que, qui, de verbos como averiguar, apaziguar, arguir, redarguir, enxaguar
Antes Depois
Averigúe, apazigúe, ele argúi, enxagúe você Averigue, apazigue, ele argui, enxague você
Observação: as demais regras de acentuação permanecem as mesmas
Hífen – veja como ficam as principais regras do hífen com prefixos:
Prefixos Usa hífen Não usa hífen
Agro, ante, anti, arqui, auto, contra, extra, infra, intra, macro, mega, micro, maxi, mini, semi, sobre, supra, tele, ultra... Quando a palavra seguinte começa com h ou com vogal igual à última do prefixo: auto-hipnose, auto-observação, anti-herói, anti-imperalista, micro-ondas, mini-hotel Em todos os demais casos: autorretrato, autossustentável, autoanálise, autocontrole, antirracista, antissocial, antivírus, minidicionário, minissaia, minirreforma, ultrassom
Hiper, inter, super
Quando a palavra seguinte começa com h ou com r: super-homem, inter-regional
Em todos os demais casos: hiperinflação, supersônico
Sub Quando a palavra seguinte começa com b, h ou r: sub-base, sub-reino, sub-humano Em todos os demais casos: subsecretário, subeditor
Vice
Sempre:
vice-rei, vice-presidente
Pan, circum Quando a palavra seguinte começa com h, m, n ou vogais: pan-americano, circum-hospitalar Em todos os demais casos: pansexual, circuncisão
Edição: Allisson Paixão
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