Em solenidade realizada ontem, José Sarney, assinou o termo de doação de todos os documentos acumulados ao longo de sua trajetória política.
André S. Lisboa
Da equipe de O Estado
Da equipe de O Estado
Um dos acervos mais importantes da memória política
contemporânea brasileira tornou-se ontem oficialmente propriedade do Estado do
Maranhão, quando o presidente do Senado, José Sarney (PMDB), assinou termo de
doação de todos os documentos textuais acumulados ao longo de sua trajetória
política e museológicos particulares para a Fundação da Memória Republicana
Brasileira (FMRB). A solenidade ocorreu no fim da tarde com a presença de
autoridades, intelectuais, artistas e público em geral, na sede da instituição,
no Convento das Mercês (Desterro), onde também foi aberta com visitação pública
à exposição A Construção da Memória Republicana Brasileira.
A mostra traz um relato da história da construção da democracia
brasileira, ocorrida em fins do século passado. São ao todo mais de 1 milhão de
documentos, 4 mil peças museológicas e ainda uma biblioteca pessoal que tem
aproximadamente 33 mil títulos doados ao Governo do Estado pela lei estadual nº
9.650/2012 no ano passado. Os escritos oficiais fizeram parte do período em que
José Sarney foi presidente da República Federativa do Brasil (1985 a 1990),
sendo ele o responsável pelo período de transição do Regime Militar à democracia
atual, determinante para a transformação da política contemporânea em um regime
aberto e com legitimidade perante todo o mundo garantida por meio do voto
popular.
Segundo o presidente José Sarney, todo o material que ficará sob
a tutela da FMRB está à disposição dos maranhenses e de qualquer pessoa
independentemente de sua nacionalidade que se interessar pelos documentos da
Constituinte. “O período em que se deu a Constituinte foi importantíssimo e está
aqui gravado por meio de datas e documentos oficiais. Temos hoje em dia a
Constituição de maior duração sem nenhuma interrupção na história do Brasil, que
é a Constituição de 1988. Não tivemos de lá para cá nenhuma modificação nesse
documento, que modificou o Brasil. Tive a oportunidade de trabalhar nela, dando
um impulso nos direitos de toda a sociedade e não apenas tendo um viés
sócio-econômico”, explicou o líder do Senado Federal.
Com uma vasta profundidade e registros únicos, o material que
compõe o acervo agora da Fundação da Memória Republicana poderá ser analisado
por estudantes de todos os níveis de escolaridade e pesquisadores como fonte de
pesquisa aberta, que possibilita um mergulho pela história do país. As peças
documentais estão registradas em diversos formatos. São fotografias, vídeos
televisivos e cinematográficos. A biblioteca formada por títulos estrangeiros e
nacionais também estará à disposição de pesquisadores de qualquer
nacionalidade.
Democratização – A digitalização do acervo documental e
audiovisual será o primeiro passo da nova gestão da FMRB, que para facilitar o
acesso do acervo aos interessados vai disponibilizar todo o material na
internet, democratizando a pesquisa de estudiosos que busquem analisar a fase da
história brasileira. “É uma honra para a Fundação da Memória Republicana
Brasileira e para a população maranhense receber um acervo desta magnitude, que
ajuda a contar a história do país por meio da vida de um importante protagonista
desse momento tão relevante da política brasileira”, afirmou a presidente da
instituição, Anna Graziella Santana Neiva Costa.
Segundo ela, a nova gestão pretende transformar a fundação em um
centro de atividades culturais e educacionais e buscará auxiliar o
desenvolvimento social e humano dos maranhenses, utilizando o acervo com sua
carga intelectual transmitida ao cidadão. “Queremos que o cidadão se aproxime
desse conhecimento que está em cada peça integrante dessa exposição aberta”,
disse Anna Graziella Costa.
De acordo com o secretário de Estado da Casa Civil, Luis
Fernando Silva, que representou a governadora Roseana Sarney na solenidade, a
Fundação da Memória Republicana Brasileira é de inestimável valor para o
Maranhão e para a sociedade brasileira como um todo. “Aqui se encontram
registros da história política e econômica do Brasil. Para o estado, é de suma
importância ter a gestão desse material e continuar a filosofia do presidente
Sarney, que quis que a memória política do Brasil seja cuidada e disseminada
para todos”, declarou ele.
Todo o acervo está descrito em livros que ficarão em posse da
FMRB e serão ainda destinados ao Arquivo Público do Estado. Na ocasião, a
procuradora Helena Haickel assinou o recebimento da doação, representando a
aceitação do Poder Público em relação ao gesto do presidente do Senado.
FMRB tem conjunto de 4 mil itens museológicos
A Fundação da Memória Republicana Brasileira tem em seu conjunto
de peças 4 mil itens museológicos, componentes de arte e memória, com imagens
religiosas, esculturas, gravuras, quadros, vestimentas e trajes oficiais, chaves
de cidades visitadas pelo presidente José Sarney, placas e medalhas, insígnias,
moedas, cédulas, selos e ainda outros objetos representantes de diversas regiões
do país e do mundo. Entre as peças, destaca-se, entre outros, uma poncheira em
forma de cisne doada pelo Governo da Rússia a Sarney, em 1988, quando este
visitara o país.
Há ainda álbuns de fotografias completas, fotos avulsas,
registros históricos do Maranhão e do Brasil em material audiovisual. O acervo
bibliográfico é constituído por 33 mil documentos, como folhetos, livros,
periódicos, edições de obras raras. Alguns deles são textos do padre Antônio
Vieira – fundador do Convento das Mercês.
Além da edição completa d’Os Sermões de Antônio Vieira, que
datam do século XVII, Sarney doou um livro raro do padre, uma edição escrita em
italiano pelo missionário que viveu no Maranhão. “Encontrei essa edição em uma
pequena loja quando andava por Veneza. Ela estava aberta na vitrine. Esperei a
loja abrir, pois era hora do almoço, para comprar o livro. O valor dela é
inestimável e poucos sabiam disso. Comprei por oitenta dólares”, disse José
Sarney durante pronunciamento na solenidade. Um volume da primeira edição do
livro Espumas Flutuantes, do poeta baiano Castro Alves, se destaca entre os
escritos literários, assim como O Francesismo, do escritor português Eça de
Queiroz. Contos e crônicas do escritor maranhense Coelho Neto, referência da
literatura Nacional, estão entre as obras listadas.
A tarde de ontem foi de descoberta para alunos de escolas da
rede pública de São Luís, que participarão de uma programação especial que
incluirá diferentes atividades lúdico-educativas, com sessão de
vídeo-documentário, palestras, conto de histórias e visita guiada pelo Convento
das Mercês e pelos salões onde será apresentada a exposição. Cerca de 40
estudantes da Escola Desembargador Sarney Costa, do São Francisco, foram os
primeiros a participar da nova etapa da FMRB, iniciada ontem.
Eles puderam ver esculturas, pinturas a óleo com cenas da vida
maranhense e nacional, mementos doados de diversas partes do mundo, como uma
moringa mexicana do século passado e um touro esculpido em ouro, trazido da
China. Para a aluna Yana Kelly Lindoso, 14 anos, o passeio guiado foi importante
porque ela pôde ver em peças e materiais históricos a importância do presidente
José Sarney para a história do Brasil. “Fiquei muito contente porque pude
aprender um pouco mais sobre o nosso país e por saber que um maranhense, um
homem de nossa terra foi tão importante para todo o Brasil. Vi as fotos de todos
os nossos presidentes”, disse ela.
Decisão demonstra compromisso de Sarney
“Eu posso ser esquecido, mas que a nossa cultura, o nosso povo e
a nossa história fiquem aqui para sempre”, assim o presidente do Senado, José
Sarney (PMDB), justificou ontem a doação de todo o seu acervo particular formado
por documentos oficiais, peças museológicas, artísticas e históricas, além de
toda a sua biblioteca pessoal. “Posso até dizer que sou um bibliófilo, porque eu
gosto muito de livros e fui acumulando milhares deles ao longo da minha vida”,
declarou ele, durante a solenidade no Convento das Mercês realizada ontem.
Intelectuais, autoridades e artistas avaliaram o ato não apenas
como uma ação de boa vontade, mas como a prova do compromisso do presidente José
Sarney com a história e com sua terra.
Durante anos, ele manteve sob a sua tutela documentos oficiais,
cartas e outros itens para dar de presente e deixar acessível dos maranhenses
para que vissem a sua história ali, contudo ao extinguir a Fundação José Sarney,
que funcionava no Convento das Mercês, o material voltou ao seu poder e agora
José Sarney dá ao Governo do Estado, a quem, por meio da Fundação da Memória
Republicana Brasileira (FMRB), caberá administrar todo o acervo.
Ato voluntário - Para o presidente da Academia Maranhense de
Letras (AML), Benedito Buzar, antes de qualquer significado histórico, é
importante valorizar o ato voluntário feito por Sarney, que se desapegou de um
material de elevadíssimo preço para deixar como legado aos maranhenses.
“É uma inciativa altamente elogiável, pois um acervo construído
com tanto sacrifício tem um valor inestimável. Os objetos não saem do Maranhão,
por vontade dele. Muitas pessoas quiseram tirá-lo daqui, mas ele não permitiu,
porque sabia da importância para o Governo do Estado”, disse o acadêmico.
O último presidente da Fundação José Sarney, Joaquim Itapary,
tem opinião igual ao analisar a doação em duas frentes ideológicas.
“Primeiro é o gesto inusitado no Maranhão. Nenhuma personalidade
doa nada para o Maranhão. É a primeira vez que alguém dá algo de seu patrimônio
ao Estado. O acervo tem um altíssimo valor cultural e patrimonialista e tem de
ser respeitado e pesquisado”, comentou o membro da AML, ao prever que o Poder
Público ganha um novo patrimônio ao seu poder.
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