terça-feira, 9 de outubro de 2012

Sarney doa acervo da memória política brasileira ao Maranhão

Em solenidade realizada ontem, José Sarney, assinou o termo de doação de todos os documentos acumulados ao longo de sua trajetória política.

André S. Lisboa
Da equipe de O Estado

Um dos acervos mais importantes da memória política contemporânea brasileira tornou-se ontem oficialmente propriedade do Estado do Maranhão, quando o presidente do Senado, José Sarney (PMDB), assinou termo de doação de todos os documentos textuais acumulados ao longo de sua trajetória política e museológicos particulares para a Fundação da Memória Republicana Brasileira (FMRB). A solenidade ocorreu no fim da tarde com a presença de autoridades, intelectuais, artistas e público em geral, na sede da instituição, no Convento das Mercês (Desterro), onde também foi aberta com visitação pública à exposição A Construção da Memória Republicana Brasileira.
A mostra traz um relato da história da construção da democracia brasileira, ocorrida em fins do século passado. São ao todo mais de 1 milhão de documentos, 4 mil peças museológicas e ainda uma biblioteca pessoal que tem aproximadamente 33 mil títulos doados ao Governo do Estado pela lei estadual nº 9.650/2012 no ano passado. Os escritos oficiais fizeram parte do período em que José Sarney foi presidente da República Federativa do Brasil (1985 a 1990), sendo ele o responsável pelo período de transição do Regime Militar à democracia atual, determinante para a transformação da política contemporânea em um regime aberto e com legitimidade perante todo o mundo garantida por meio do voto popular.
Segundo o presidente José Sarney, todo o material que ficará sob a tutela da FMRB está à disposição dos maranhenses e de qualquer pessoa independentemente de sua nacionalidade que se interessar pelos documentos da Constituinte. “O período em que se deu a Constituinte foi importantíssimo e está aqui gravado por meio de datas e documentos oficiais. Temos hoje em dia a Constituição de maior duração sem nenhuma interrupção na história do Brasil, que é a Constituição de 1988. Não tivemos de lá para cá nenhuma modificação nesse documento, que modificou o Brasil. Tive a oportunidade de trabalhar nela, dando um impulso nos direitos de toda a sociedade e não apenas tendo um viés sócio-econômico”, explicou o líder do Senado Federal.
Com uma vasta profundidade e registros únicos, o material que compõe o acervo agora da Fundação da Memória Republicana poderá ser analisado por estudantes de todos os níveis de escolaridade e pesquisadores como fonte de pesquisa aberta, que possibilita um mergulho pela história do país. As peças documentais estão registradas em diversos formatos. São fotografias, vídeos televisivos e cinematográficos. A biblioteca formada por títulos estrangeiros e nacionais também estará à disposição de pesquisadores de qualquer nacionalidade.

Democratização – A digitalização do acervo documental e audiovisual será o primeiro passo da nova gestão da FMRB, que para facilitar o acesso do acervo aos interessados vai disponibilizar todo o material na internet, democratizando a pesquisa de estudiosos que busquem analisar a fase da história brasileira. “É uma honra para a Fundação da Memória Republicana Brasileira e para a população maranhense receber um acervo desta magnitude, que ajuda a contar a história do país por meio da vida de um importante protagonista desse momento tão relevante da política brasileira”, afirmou a presidente da instituição, Anna Graziella Santana Neiva Costa.
Segundo ela, a nova gestão pretende transformar a fundação em um centro de atividades culturais e educacionais e buscará auxiliar o desenvolvimento social e humano dos maranhenses, utilizando o acervo com sua carga intelectual transmitida ao cidadão. “Queremos que o cidadão se aproxime desse conhecimento que está em cada peça integrante dessa exposição aberta”, disse Anna Graziella Costa.
De acordo com o secretário de Estado da Casa Civil, Luis Fernando Silva, que representou a governadora Roseana Sarney na solenidade, a Fundação da Memória Republicana Brasileira é de inestimável valor para o Maranhão e para a sociedade brasileira como um todo. “Aqui se encontram registros da história política e econômica do Brasil. Para o estado, é de suma importância ter a gestão desse material e continuar a filosofia do presidente Sarney, que quis que a memória política do Brasil seja cuidada e disseminada para todos”, declarou ele.
Todo o acervo está descrito em livros que ficarão em posse da FMRB e serão ainda destinados ao Arquivo Público do Estado. Na ocasião, a procuradora Helena Haickel assinou o recebimento da doação, representando a aceitação do Poder Público em relação ao gesto do presidente do Senado.

FMRB tem conjunto de 4 mil itens museológicos


A Fundação da Memória Republicana Brasileira tem em seu conjunto de peças 4 mil itens museológicos, componentes de arte e memória, com imagens religiosas, esculturas, gravuras, quadros, vestimentas e trajes oficiais, chaves de cidades visitadas pelo presidente José Sarney, placas e medalhas, insígnias, moedas, cédulas, selos e ainda outros objetos representantes de diversas regiões do país e do mundo. Entre as peças, destaca-se, entre outros, uma poncheira em forma de cisne doada pelo Governo da Rússia a Sarney, em 1988, quando este visitara o país.
Há ainda álbuns de fotografias completas, fotos avulsas, registros históricos do Maranhão e do Brasil em material audiovisual. O acervo bibliográfico é constituído por 33 mil documentos, como folhetos, livros, periódicos, edições de obras raras. Alguns deles são textos do padre Antônio Vieira – fundador do Convento das Mercês.
Além da edição completa d’Os Sermões de Antônio Vieira, que datam do século XVII, Sarney doou um livro raro do padre, uma edição escrita em italiano pelo missionário que viveu no Maranhão. “Encontrei essa edição em uma pequena loja quando andava por Veneza. Ela estava aberta na vitrine. Esperei a loja abrir, pois era hora do almoço, para comprar o livro. O valor dela é inestimável e poucos sabiam disso. Comprei por oitenta dólares”, disse José Sarney durante pronunciamento na solenidade. Um volume da primeira edição do livro Espumas Flutuantes, do poeta baiano Castro Alves, se destaca entre os escritos literários, assim como O Francesismo, do escritor português Eça de Queiroz. Contos e crônicas do escritor maranhense Coelho Neto, referência da literatura Nacional, estão entre as obras listadas.
A tarde de ontem foi de descoberta para alunos de escolas da rede pública de São Luís, que participarão de uma programação especial que incluirá diferentes atividades lúdico-educativas, com sessão de vídeo-documentário, palestras, conto de histórias e visita guiada pelo Convento das Mercês e pelos salões onde será apresentada a exposição. Cerca de 40 estudantes da Escola Desembargador Sarney Costa, do São Francisco, foram os primeiros a participar da nova etapa da FMRB, iniciada ontem.
Eles puderam ver esculturas, pinturas a óleo com cenas da vida maranhense e nacional, mementos doados de diversas partes do mundo, como uma moringa mexicana do século passado e um touro esculpido em ouro, trazido da China. Para a aluna Yana Kelly Lindoso, 14 anos, o passeio guiado foi importante porque ela pôde ver em peças e materiais históricos a importância do presidente José Sarney para a história do Brasil. “Fiquei muito contente porque pude aprender um pouco mais sobre o nosso país e por saber que um maranhense, um homem de nossa terra foi tão importante para todo o Brasil. Vi as fotos de todos os nossos presidentes”, disse ela.

Decisão demonstra compromisso de Sarney


“Eu posso ser esquecido, mas que a nossa cultura, o nosso povo e a nossa história fiquem aqui para sempre”, assim o presidente do Senado, José Sarney (PMDB), justificou ontem a doação de todo o seu acervo particular formado por documentos oficiais, peças museológicas, artísticas e históricas, além de toda a sua biblioteca pessoal. “Posso até dizer que sou um bibliófilo, porque eu gosto muito de livros e fui acumulando milhares deles ao longo da minha vida”, declarou ele, durante a solenidade no Convento das Mercês realizada ontem.
Intelectuais, autoridades e artistas avaliaram o ato não apenas como uma ação de boa vontade, mas como a prova do compromisso do presidente José Sarney com a história e com sua terra.
Durante anos, ele manteve sob a sua tutela documentos oficiais, cartas e outros itens para dar de presente e deixar acessível dos maranhenses para que vissem a sua história ali, contudo ao extinguir a Fundação José Sarney, que funcionava no Convento das Mercês, o material voltou ao seu poder e agora José Sarney dá ao Governo do Estado, a quem, por meio da Fundação da Memória Republicana Brasileira (FMRB), caberá administrar todo o acervo.

Ato voluntário - Para o presidente da Academia Maranhense de Letras (AML), Benedito Buzar, antes de qualquer significado histórico, é importante valorizar o ato voluntário feito por Sarney, que se desapegou de um material de elevadíssimo preço para deixar como legado aos maranhenses.
“É uma inciativa altamente elogiável, pois um acervo construído com tanto sacrifício tem um valor inestimável. Os objetos não saem do Maranhão, por vontade dele. Muitas pessoas quiseram tirá-lo daqui, mas ele não permitiu, porque sabia da importância para o Governo do Estado”, disse o acadêmico.
O último presidente da Fundação José Sarney, Joaquim Itapary, tem opinião igual ao analisar a doação em duas frentes ideológicas.
“Primeiro é o gesto inusitado no Maranhão. Nenhuma personalidade doa nada para o Maranhão. É a primeira vez que alguém dá algo de seu patrimônio ao Estado. O acervo tem um altíssimo valor cultural e patrimonialista e tem de ser respeitado e pesquisado”, comentou o membro da AML, ao prever que o Poder Público ganha um novo patrimônio ao seu poder.

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