
Reconstrução da história religiosa do Maranhão
Igreja Nossa Senhora das Mercês, que foi destruída na década de 1930, será recuperada por meio do projeto Memorial Padre Antônio Vieira.
André S. Lisboa
Da equipe de O Estado
Da equipe de O Estado
A recuperação de um espaço histórico de São Luís, destruído ao longo dos anos pelas intempéries e em consequência da má administração do estado na década de 1930. Trata-se da Igreja de Nossa Senhora das Mercês, imóvel que fazia parte do Convento das Mercês, erigido no Desterro. O presidente do Senado e escritor, José Sarney, anunciou a reconstrução do templo na segunda-feira (8), durante a solenidade na qual doou seu acervo pessoal à Fundação da Memória Republicana Brasileira.
Com o projeto Memorial Padre Antônio Vieira aprovado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), os planos de reerguer a construção onde eram pregadas missas da Ordem dos Mercedários, uma das importantes ordens que trabalhou na catequização dos índios e educação dos maranhenses ao longo de sua história, principalmente em seu primeiro momento, estão mais próximos. Foram realizados serviços de prospecção arqueológica no local que identificaram as fundações da antiga igreja demolida totalmente para abrigar o Corpo de Bombeiros.
Considerada uma dádiva da arquitetura religiosa do estado, o templo era um testemunho da presença dos mercedários na cidade de São Luís. A demolição causou indignação e se transformou em desígnio religioso para reaver o espaço litúrgico e, como penitência ao dano provocado pelo desconhecimento, o resgate da igreja tem sido visto como uma missão irremovível pelo ex-presidente da República. Conforme salientou o presidente José Sarney, a reconstrução da igreja foi um pedido não dele, mas do Papa João Paulo II, durante sua visita a São Luís em outubro de 1991. "Foi um pedido que eu consegui inserir por meio de uma carta na homilia feita pelo Papa. Nunca pensei que algo que eu tivesse escrito pudesse fazer parte de homilia pregada pelo maior líder da Igreja Católica", brincou Sarney, ao anunciar que patrocinadores e doadores para o projeto de construção da nova Igreja das Mercês já estão dispostos a contribuir o mais rápido possível.
Os altares e as imagens do templo foram retirados e levados para outras igrejas, mas o baldrame e as fundações ficaram conservados e foram redescobertos. Eles serão utilizados como base para a construção do novo templo, contratado pela Fundação da Memória Republicana Brasileira. "Foi um projeto amplamente discutido pelo Iphan durante anos até se chegar ao formato adequado da reconstrução da casa de culto. A fachada será totalmente igual, contudo dentro há apenas os elementos arqueológicos que farão uma referência ao que foi a igreja demolida", explicou a superintendente do Iphan, Kátia Bogéa.
No espaço interior do templo não haverá reconstrução, apenas será exposto o que sobrou da antiga fundação do imóvel para que o visitante possa ter noção do que foi o antigo edifício. "Será levantada uma nova igreja que faz referência ao antigo espaço. Esperamos que o Convento possa ter uma nova igreja com missas e com uma revalorização do seu espaço como local religioso", disse Kátia Bogéa.
De acordo com a presidente da Fundação da Memória Republicana, Anna Graziella Neiva Costa, o projeto está na fase de levantamento de orçamentos, para em seguida ser apresentado ao investidor e ao Ministério da Cultura, que deve financiar a execução por meio da Lei Rouanet. "Estamos correndo com os últimos preparativos. O projeto será levado à Caixa e ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que vai liberar a sua execução oficialmente", diz a presidente da fundação.
Anna Graziella Neiva Costa ainda informou que a reconstrução é um desejo gravado na pedra que registra a homilia do Papa João Paulo II durante visita a São Luís. "Estamos muito ansiosos para fazer este trabalho de reconstrução da Igreja de Nossa Senhora das Mercês, porque é um espaço importante de todo o acervo do Convento das Mercês e da FMRB", explica.
No projeto elaborado pelo Iphan, ficou constatado que da igreja restaram somente os alicerces de arenito ferruginoso em argamassa de barro e cal de sarnambi, além de fragmentos de lioz e trechos de tijolaria preparada com barro cozido. Foram realizados 11 levantamentos iniciais e exposição a intemperismos, surgiu vegetação e despejos de lixo doméstico. Ficaram perdidos os ladrilhos de barro dos pisos. As dificuldades para encontrar referências arquitetônicas acerca da Igreja de Nossa Senhora das Mercês foram inúmeras, principalmente porque em mapas e plantas antigas os registros eram representados de forma muito reduzida.
O templo é descrito no relatório de arqueólogos como seguindo o padrão da Igreja da Sé e do Carmo de São Luís, tendo a lateral externa no limite do logradouro público. A edificação foi erguida na lateral direita do Convento das Mercês, com adro em toda a extensão frontal e com cruzeiro referencial à entrada principal, seguindo a disposição adotada no mosteiro de Belém, da qual era oriunda.
Projeto tenta se aproximar da estrutura original do templo
Vários estudos já foram realizados sobre a arquitetura do prédio da igreja que foi destruída em 1930.

Segundo o relatório do qual se originou o Memorial Padre Antônio Vieira, que reerguerá a igreja das Mercês, foram realizadas desde o levantamento do imóvel, derrubado em 1930, diversas obras ao longo de sua existência, o que impossibilita uma reconstrução similar à original, pois as perdas de referências tipológicas dificultam a leitura clara do trecho de fundação e dos vínculos estruturais entre a igreja e o convento. Suspeita-se de que havia arcos que ligavam os dois prédios, talvez com nichos de oratórios.
Testemunhos apontam que a construção da planta baixa da igreja se deu em meados do século XVII, sendo a edificação das Mercês "muito pequena e fabricada de terra socada", como relataram os arqueólogos. Comparada a outras igrejas locais, destaca-se que a cobertura do imóvel teria duas águas na nave e capela-mor, e ainda águas compostas no consistório. A estrutura, possivelmente, seria em caibro armado com tesouras de linha alta ou do tipo aspas francesas. As referências de telhados são praticamente nulas, exceto pelo fato de em uma fotografia de Gaudêncio Cunha dar a impressão de que as telhas eram do tipo canal.
A frontaria da Igreja das Mercês exibia uma compartimentação resultante das perfilaturas dos cunhais, simulacros de colunas e frisamentos horizontais, o que segue a tendência da arquitetura religiosa maranhense. Havia um frontão, ligeiramente ondulado, rematado por cruz sobre pequena base, o que caracteriza a sua simplicidade. Havia uma única entrada frontal, sobre a qual estava fixado o medalhão da Ordem dos Mercedários. Duas torres quadradas rematadas com coruchéus e coberturas em abóbadas de arestas frisadas de relevos em volutas encaixam-se na tipologia local.
Os levantamentos arqueológicos apontaram para a ocorrência de púlpito na lateral esquerda da nave, com acesso externo. A solução seria atípica, pois nas igrejas locais, os púlpitos são móveis. O projeto ainda compreende os elementos internos da igreja, como coro, tribunas, vãos e esquadrias, que buscam apresentar o arcabouço da igreja, norteando a proposta arquitetônica. A obra seguirá o princípio de adaptabilidade, que fundamenta uma interpretação particular feita mediante comparações de enfoques tipológicos, condições físicas e componentes utilitários. Ainda serão realizadas adaptações.
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O Convento das Mercês, que também já foi um quartel, hoje é sede da Fundação da Memória Republicana Brasileira e foi eleito recentemente um dos Sete Tesouros de São Luís. Sua construção foi iniciada em 1654, quando chegaram a São Luís os mercedários João Cerveira (maranhense de Alcântara) e Marcos Natividade, vindos de Belém, que se juntaram aos frades Manoel de Assunção e Antônio Nolasco, além do leigo João das Mercês. Foi erguida ali em taipa coberta de palha.
(Fonte: Passeiourbano.com)
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