domingo, 24 de abril de 2011

O bom filho à casa torna. Joãosinho 30 está de volta a São Luís de mala e cuia, inúmeros troféus e muitas histórias para contar.

Joãosinho Trinta no Sambódromo, cercado por passistas



Carnavalesco Joãosinho Trinta vai à luta


Artista está de mudança para o Maranhão, onde nasceu, com projeto de fazer uma “Ilha das Festas”


Joãosinho Trinta mudou. Há menos de dez anos, em um dia como hoje – terça-feira de Carnaval – o carnavalesco estaria no Rio de Janeiro ou em São Paulo, “até aqui” de serviço com os últimos preparativos para o desfile de alguma grande escola de samba. Mas agora, esta imagem que a maioria dos brasileiros tem de um de seus mais ousados artistas vai ter que mudar de cenário e de proporções.
Isso porque Joãosinho mudou-se de mala, cuia e funcionários, há duas semanas, para São Luís, Maranhão, onde nasceu, cidade que deseja transformar na “Ilha das Festas”.
São Luís, que também ostenta o título de “Ilha dos Amores”, está nas memória de infância do artista e no planejamento dos seus futuros enredos. “Eu planejei durante a vida inteira voltar para cá. Agora, finalmente, esse tempo chegou”, anuncia, em entrevista por telefone, concedida na última quarta-feira.

“Por enquanto, eu estou incógnito aqui no Maranhão. Claro, que se não fosse assim, eu não teria sossego. Eu vim para cá para descansar e, com isso, estou me escondendo o máximo. No entanto, vocês já me encontraram”, reclamou, mas caindo na gargalhada.
“Daqui a alguns dias, vou assistir aquele momento que foi muito importante na minha infância, que é o Carnaval de São Luis”, declara.

Para Joãosinho, a versão maranhense da festa mais popular do país tem uma cor diferente das festas de São Paulo e do Rio de Janeiro, nas quais ajudou a dar novos rumos estéticos e de concepção. “É um grande espetáculo. Temos o Bumba-Meu-Boi e o Tambor de Crioula. Quero reencontrar essa encantação”, confessa.

São Luis, lembra Joãosinho, é chamada a “Ilha dos Amores”, título que entre as inúmeras versões é atribuído em função do número de poetas que louvaram a cidade e pelo romantismo que a própria arte local carrega em seus casarões. “Vou trabalhar para que esta cidade seja também a Ilha das Festas”, enfatiza.

A primeira ação é um encontro agendado com a governadora do Maranhão, Roseana Sarney. “Quero auxiliar as escolas de samba de São Luis e estou planejando um trabalho sobre o Natal”, anuncia Joãosinho, com empolgação.

Contado com o apoio dos amigos, familiares, médicos “do Sara” (Hospital Sara Kubtischek) e do fiel secretário e “anjo da guarda” Arlen de Morais, Joãosinho diz que, aos 77 anos, está vivendo “momentos de felicidade” na terra-natal. O primeiro desses momentos é na comida. “Estou me deliciando com pratos típicos que há mais de 50 anos eu não comia”, calcula.

Do cardápio ele cita torta de camarão – uma espécie de fritada, feita com ovos e legumes – e peixes, como a pescada amarela. “O mais importante é que tenho amigos aqui, onde se destaca o Arlen, que considero um verdadeiro anjo”. Arlen também é de São Luis e trabalha há anos com o artista plástico no Rio de Janeiro e em Brasília, que foi sua antiga residência. “Ele é como se fosse um secretário. É um irmão”, reconhece.

O secretário Arlen de Morais diz que se orgulha de ser considerado como uma pessoa de confiança pelo “Seu João”. “Sou o enfermeiro, o motorista e o segurança”, explica Arlen. Moramos eu, minha esposa e ele nessa casa. Sou eu quem vai levá-lo a uma visita que está agendada com a governadora”, anuncia o secretário.

Pelo telefone, Arlen Morais diz que ouviu na imprensa local que os organizadores das escolas de samba de São Luís estavam aguardando “uma luz” para dar uma “revolucionada” no Carnaval de São Luis. “Acho que essa luz acabou de chegar”, arrisca Arlen.Joãosinho Trinta diz que, a partir do trabalho no Maranhão, sua proposta é fazer intercâmbio cultural com os outros estados. “Minas Gerais está entre eles”, ressalta.

Apoio dos amigos ameniza os problemas

Abastecido pelo carinho dos amigos e pelos efeitos terapêuticos de um cálice de vinho tinto por dia (“o que é muito bom para o coração”, ele diz), Joãosinho Trinta diz que agora tomou consciência de que precisa mesmo se preocupar muito com a saúde.

Depois de sofrer dois AVCs (acidente vascular cerebral), o último em 2004, o artista indica que ainda possuiu sequelas que estão sendo eliminadas. “AVC é uma experiência marcante, que faz repensar a vida. A cabeça e a voz não foram absolutamente afetadas. Minha cabeça é uma profusão de ideias 24 horas por dia”, avalia o artista. Ele diz que, por causa do AVC, teve a oportunidade de eliminar padrões negativos que mantinha e que agora está se sentido muito melhor consigo mesmo e com os outros. “Tive condições de analisar quantas coisas fiz de errado”, reconhece.

Na listinha de mea-culpa, Joãosinho admite que nunca cuidava da saúde, só se dedicava ao trabalho, nunca consultava um médico nem escutava conselhos dos amigos. “Por isso, hoje, não dou conselho para ninguém. Quando eu vejo que a pessoa está agindo com teimosia, eu desejo somente que ela tome juízo”, indica o carnavalesco que, fugindo do pecado da preguiça, diz que sinceramente espera viver até os 150 anos.

Atualmente completando as duas primeiras semanas da nova vida em solo maranhense, o que Joãosinho tem feito é curtir a cidade em seus detalhes e lembranças. Acordar às 6 horas da manhã, ler bastante, admirar os sobradões e até visitar um circo. “Eles identificaram que eu estava na plateia do circo e prestaram uma homenagem para mim. Aqui estou meio escondido. Quando me descobrirem, vai ser um tal de enviarem convites para festa todo dia”, reconhece, preocupado mas nem tanto, como denuncia seu riso irônico.

Filmes reconstituem trajetória do artista

A trajetória do carnavalesco Joãosinho Trinta, que já virou documentário, agora também vai contar com o longa-metragem "Trinta". O filme conta com a direção de Paulo Machline, que também dirigiu o filme anterior, "A Raça Síntese de Joãosinho Trinta". O longa começa a ser rodado no próximo semestre. No papel de Joãosinho Trinta está o ator Matheus Nachtergaele. Com tendência a cair no gosto do público, "Trinta" já nasce com distribuição garantida por uma grande produtora internacional, a Fox Filmes do Brasil.


Machline conta que a ideia dos filmes surgiu em 2002, ao ler um artigo que contava a trajetória de Joãosinho. "Com 's' mesmo, e não com 'z", retifica. Pela internet, há várias confabulações acerca do nome do carnavalesco, se com "s" ou com "z". Algumas versões juram de pé junto que trata-se de um toque ufanista - afinal, Brasil se escreve com "s" e não com "z". Mas a mudança, explica o secretário do carnavalesco, Arlen Morais, surgiu após o primeiro campeonato que ele venceu pela Beija-Flor. "Ele consultou uma amiga numeróloga para isso", conta Arlen.


Fascinado com o que leu no artigo, Paulo Machline procurou Joãosinho e o entrevistou, assim como outras pessoas do seu universo, como Fernando Pamplona, mestre do carnavalesco. "Foi ele quem percebeu a infelicidade do João quando ainda era bailarino e identificou sua real vocação", diz Machline.


Os depoimentos incluem os escritores Carlos Heitor Cony e Ferreira Gullar, entre outros. "A partir da projeção até mundial que o meu trabalho teve, é que passei a acreditar que minha história poderia virar um filme", comenta Joãosinho Trinta.
O encontro entre diretor e personagem foi em 2003, na escola de samba Grande Rio. "Ele estava morando no barracão. Ele é um obcecado por trabalho. Praticamente morei com ele por três meses. Eu só não dormia no barracão", conta Machline. O diretor diz que o documentário foi uma espécie de acidente. O material desse vídeo seria para pesquisa do roteiro do longa de ficção. "Encontrei ali uma narrativa própria e resolvi transformá-la em peça independente", explica.


Joãosinho é autor de façanhas históricas, como no Carnaval carioca de 1989, pela Beija-Flor, com o enredo "Ratos e Urubus, Larguem a Minha Fantasia". Na ocasião, levou ao Sambódromo alas de foliões fantasiados de mendigos - uma resposta aos críticos que acusavam-no de ter usado muita ostentação nos enredos anteriores.


É de Joãosinho também a lendária frase: "O povo gosta é de luxo, quem gosta de miséria é intelectual", dita na década de 1980. Ele diz que, na época, faltou explicar um detalhe sobre a declaração. "Quando eu falo que o povo gosta de luxo, não estou me referindo ao luxo superficial, de ouro e prata, mas ao luxo da participação, da alegria".
Joãozinho diz que o povo conseguiu entender a sua proposta. "A prova está em você, que, provavelmente, era criança na época, e que até hoje fala para mim sobre esse enredo", ele diz. Depois da frase, o artista deduziu que tinha que dar uma resposta aos críticos. "Foi uma questão de raciocínio", conta.


No entanto, o artista plástico lembra que fez enredos que os intelectuais não entendiam. "Mas, para esse, eu tinha certeza de que o povo iria entender. É o que importa". Para Joãosinho, os pseudo-intelectuais têm ideias preconceituosas e, para esses, não se deve dar muita atenção.


O carnavalesco estreou no Carnaval em 1964, em outra escola carioca, o Salgueiro. Nesse ano, levou o campeonato. "Ganhei dois títulos seguidos para o Salgueiro. Em seguida, venci para a Beija-Flor", recorda.


Joãosinho também diz que, mesmo diante das críticas, sua obra foi feita com "liberdade de pensamento, de execução". Ele acredita que as clareiras na folia puderam ser abertas por ele desde o seu primeiro Carnaval, quando havia uma necessidade de renovação. "Não me proibiam, pois esperavam que eu fizesse algo diferente".


O respaldo para a sua criação veio do povo. "Só confio no inconsciente coletivo, que é rico de saberes e para quem não precisamos explicar muito". Mesmo que o povo não entenda a obra, assegura, ele sente a criação na beleza, na emoção e na sensibilidade. Para Joãosinho Trinta, com ou sem gente famosa na avenida, a receita para um bom enredo de Carnaval é a criatividade. "Se há criatividade, é possível transformar qualquer assunto em Carnaval. Até o lixo". 

Nenhum comentário: