quarta-feira, 10 de abril de 2013

Clarice Lispector no palco do Arthur Azevedo

Beth Goulart encarnou a escritora em Simplesmente Eu, Clarice Lispector, na segunda-feira, no Teatro Arthur Azevedo, na Semana de Teatro do Maranhão
 
Ricardo Alvarenga
Da equipe de O Estado

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As luzes do teatro se apagam e ela atravessa a cortina de fitas brancas que se movimentavam lentamente. Com um cigarro na mão, surgiu como quem quer contar uma história. Os brados e socos nas portas do teatro daqueles que não conseguiram ingressos reservados à distribuição ao público teimavam em desconcentrar quem estava na plateia. Mas a plena concentração de Beth Goulart e o texto envolvente de Clarice Lispector brilharam mais na abertura da Semana de Teatro do Maranhão, na noite de segunda-feira.
Representado com um português carregado pelo sotaque russo (característica de Lispector), a atriz transita por narrativas que misturam histórias de sua vida com a ficção. Beth Goulart levou ao palco toda a carga de conhecimento sobre a obra de Clarice Lispector. “Usando as palavras dela, eu também estou falando de mim. Eu me revelo através de minhas escolhas", recita a atriz, logo no início de Simplesmente Eu, Clarice Lispector.
Joana, uma mulher inquieta e criativa, é a primeira personagem de Clarice Lispector que Beth Goulart conheceu. Ela apresenta a personagem como uma mulher sonhadora, cheia de ideias e carregada de desejos. Goulart conheceu Joana no auge de sua adolescência, ao ler Perto do Coração Selvagem, romance de estreia da autora.
Do conto o Amor, chega ao palco a personagem Ana, dona de casa, dedicada aos filhos, à casa e ao marido. Ana se vê desesperada no momento em que percebe que cada um dos membros da família exerce seu papel social, sem precisar dela. Diante do afastamento familiar, ela sai de casa, pega um bondinho e caminha sem rumo pelas ruas do Rio de Janeiro. Durante o passeio, ela observa um cego que mascava chiclete, ora sorrindo, ora com cara fechada.
Depois do encontro inusitado com o cego, Ana chega no Jardim Botânico. Lá, fica impressionada com a beleza da natureza. No espetáculo, a projeção de imagens na cortina entra em harmonia com gestos delicados da atriz, com expressão corporal bem marcada, porém executada com naturalidade e leveza. Enquanto isso, se ouve a narração gravada, na interpretação envolvente de Beth Goulart. Essa parte do espetáculo representa Clarice no período em que se dedicou totalmente ao marido e aos filhos.

Amor - Outra personagem apresentada é uma professora primária, que mora sozinha e se prepara para descobrir o amor. Toda a obra de Clarice pode ser considerada uma ode ao amor. Há ainda outra mulher sem nome, que passeia por Copacabana, alegre e um pouco irônica. Todo o encantamento com o mundo acaba ao se deparar com a horrenda visão de um rato morto. Com um humor inteligente, a obra de Clarice conduz o espectador a uma reflexão sobre Deus e sua existência e atuação.
Durante a peça, também é exibida uma entrevista de Clarice Lispector. Oportunidade em que ela fala sobre seus motivos de escrever, suas paixões, amores e vocações para qual acredita existir.
A ligação profunda que existe entre a atriz e a obra da escritora é perceptível na interpretação. Com trocas delicadas e elegantes de figurino, é possível ver a riqueza de detalhe na concepção do espetáculo. Junta-se a isso uma maquiagem neutra, mas expressiva, o cigarro na ponta dos dedos, o cenário leve e claro, harmonizando com uma interpretação densa e que expressa um pouco do universo rico e sombrio de Clarice Lispector.

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