quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Estréia hoje, às 20h no TAN, a peça Siameses

Espetáculo teatral Siameses revela a solidão em contradição com a intimidade de dois irmãos siameses.
 
Raíza Carvalho
Da equipe de O Estado
Eles são indivíduos com pensamentos, sentimentos e vontades próprias, mas há um detalhe: nasceram unidos por alguma parte do corpo. São irmãos siameses, que causam choque, medo, nojo e repulsa em quase todo mundo que os observa. Como será a intimidade dessas pessoas e sua vivência em uma sociedade preconceituosa? A peça Siameses, cuja estreia acontece hoje, às 20h, no Teatro Alcione Nazaré, trata sobre o assunto. A apresentação do Núcleo de Pesquisas Teatrais Rascunho é parte da programação gratuita da 7ª Mostra Sesc Guajajara, que se estende até quinta-feira.
O espetáculo foi originalmente escrito pelo dramaturgo maranhense Zen Salles, que reside em São Paulo. Dois irmãos, unidos pelo abdômen, estão em um quarto de hospital alguns minutos antes de sua cirurgia de separação. Enquanto um deles está apavorado com a ideia da solidão, o outro está disposto a pagar com a vida o preço para consegui-la. Nos instantes que seguem, são vistas cenas de lembranças da vida anterior dos personagens no circo, onde se tornaram homens. No local, eles viveram relações sexuais e amorosas com a Mulher Barbada e a Monga Monkey, pessoas que também eram vistas como aberrações. O texto, apresentado pela primeira vez hoje, utiliza humor e fantasia como metáfora para apresentar ao espectador os dilemas humanos, principalmente a dificuldade em enfrentar as mudanças.
A peça Siameses ganhou vida com a direção de Fernanda Areias, que conduziu um time aplicado de quatro atores e uma produtora na pesquisa e elaboração do espetáculo. O grupo começou a pesquisar em abril deste ano. A partir de então, leu artigos sobre direitos humanos, textos filosóficos, viram documentários sobre gêmeas siamesas, ficções e reportagens com relatos de histórias reais. "Foi um processo de desconstrução do nosso próprio pensamento. Nós mesmos reconhecemos nosso preconceito e só depois fomos enxergar a situação com mais naturalidade", disse Aline Nascimento, atriz do espetáculo.
A montagem Siameses valoriza muito a questão sensorial das lembranças dos irmãos, trazendo-as para a cena e estabelecendo um paralelo entre a realidade e o sonho. A diretora do espetáculo ressalta a abordagem diferente em meio ao contraste que circunda a solidão. "O texto traz um assunto completamente clichê, a solidão, mas a partir de um ponto de vista que não estamos acostumados. Quem imagina a solidão com base em gêmeos siameses? O desejo de tê-la e o medo de vê-la? Sobre a questão de eles serem siameses, o texto em nenhum momento é piegas a respeito disso. Eles se sacaneiam, eles se xingam, xingam as pessoas", relatou Fernanda Areias.

Preconceito - Além da discussão em torno da solidão, a montagem traz a tona uma questão social ainda forte, o preconceito contra os deficientes. "Já não se vira mais atração de circo, mas as anomalias ainda existem e com elas, todo um preconceito que as cercam. Por exemplo, há várias leis de acessibilidade ao cadeirante, mas na prática, não acontecem", disse a atriz Pryscilla Carvalho. "A verdade é que todos nós olhamos torto para os deficientes. O texto quebra isso. Não conseguimos ver os siameses como humanos, mas eles são. Sobrevivem de um jeito diferente, mas não abrem mão de sua vida sexual, por exemplo", enfatizou o ator Raphael Brito.
O enredo da apresentação não se localiza exatamente em um espaço temporal, mas o contexto remete ao início do século XX, uma época na qual os "circos dos horrores" eram comuns. Apesar da densidade do tema abordado, o texto de Salles é carregado de humor, com referências a artistas e acontecimentos atuais, como o cineasta Tim Burton.
Além dos integrantes do elenco já citados, o ator Almir Pacheco e a produtora Alana Araújo também integram o grupo Rascunho. O cenário de Siameses é simples e os efeitos cênicos serão centralizados na iluminação, concebida por Abimaelson Santos, e a elaborada maquiagem dos atores, pelos pincéis de Irla Carina.

Facebook foi usado na elaboração da peça


A webdramaturgia foi uma das técnicas utilizadas pelo grupo Rascunho para a concepção do espetáculo Siameses. Em maio deste ano, cada ator criou um perfil na rede social facebook os seus personagens, com todas as suas características físicas e suas fortes personalidades. A trupe formada pelos gêmeos da Direita e da Esquerda, pelas mulheres Monga Monkey e Mulher Barbada, Dono do Circo e Menino do Circo despertaram curiosidade em muita gente, que passaram a interagir com os personagens com frequência. "De início as pessoas acharam que um circo tinha chegado a São Luís!", disse Almir Pacheco.
As personagens femininas levaram sua excentricidade e sensualidade para a rede social. A Monga Monkey e a Mulher Barbada representam, respectivamente, as figuras de "amor romântico" e o "amor sexual" dos gêmeos. Já os personagens Dono do Circo e Menino do Circo participaram do jogo cênico on-line, mas saíram da montagem posteriormente, por questões de logística.
Segundo a diretora, a intenção era fazer um exercício para a criação dos personagens. A resposta do público on-line surpreendeu os integrantes do Rascunho, já que os personagens fortes despertavam paixões nos usuários. As pessoas contavam confidências, se compadeciam de suas supostas "dores", imploravam para marcar encontros. "Se apaixonaram pela Monga e pela Mulher Barbada! Havia um homem que também pedia desesperadamente para conhecer o Menino do Circo", relatou Aline Nascimento.
Quatro meses depois, eles criaram uma página no facebook para o espetáculo Siameses, explicando que os personagens pertenciam à montagem e sua intenção, mas não revelaram as verdadeiras identidades de cada personagem. Nesta página, eles divulgaram vídeos de divulgação da peça, concebidos por Lucian Rosa. A estética do vídeo e as cenas relatadas passam a poesia que reside em meio ao grotesco em Siameses.
O autor do texto, Zen Salles, acompanhou de perto toda essa atividade e mudou a própria visão sobre os personagens que saíram de sua cabeça. O processo teve um efeito tão grande sobre ele, que o levou a reescrever todo o texto original do espetáculo. Por opção estética, os atores da peça não quiserem ser associados aos personagens.

Serviço


• O quê
Espetáculo Siameses, do Núcleo de Pesquisas Teatrais Rascunho
• Quando
Hoje, às 20h
• Onde
Teatro Alcione Nazaré (Centro de Criatividade Odylo Costa Filho, Praia Grande)
Entrada gratuita

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