Tem início festa do Divino e prossegue até dia 21
Do jornal O Estado do Maranhão
ALCANTÂRA - A força da tradição de Alcântara se manifestou mais uma vez ontem, durante a levantada do mastro do imperador, que marca a abertura da Festa do Divino Espírito Santo. A tarde foi de muito calor na cidade histórica (situada 23 km a noroeste de São Luís) com a movimentação de milhares de pessoas pelas ruelas centenárias da velha potência colonial.
A população da cidade e turistas se espalharam pelas ruas da cidade, aguardando nas portas das casa dos mordomos - os festeiros responsáveis pela organização do festejo dedicado ao Espírito Santo - ou nos cantos das ruas a passagem do mastro, carregado nos ombros de homens da cidade, que representam os servos do reinado.
A preparação para a retomada da tradição é sempre iniciada no ano anterior, com a leitura do pelouro, no qual são conhecidos os nomes do imperador e demais festeiros. Porém, o primeiro rito a ser seguido no ano da festa é a derrubada do tronco de uma pericurana - espécie de árvore nativa das matas que ficam próximas a Alcântara, a aproximadamente 12 quilômetros.
O condutor do primeiro momento da festa é o ancião Liene Pinheiro, de 73 anos, que desde os 14 anos realiza anualmente o trabalho. O tronco de pericurana, de aproximadamente 25 metros, foi retirado da mata no domingo passado por um grupo de homens que o conduziu da região de Pepital Velho para o Porto do Jacaré, onde foi enfeitado com folhas de murta.
O estalido dos foguetes acesos na tarde de ontem anunciaram o início de uma jornada tradicional: a subida do mastro pelas ruas de Alcântara em direção à casa dos mordomos, onde a árvore foi benzida e donativos foram entregues aos carregadores do mastro. O toque moroso e o tamborilar das baquetas nas caixas puxaram o início do cortejo do mastro.
As caixeiras do Divino Espírito Santo são as sacerdotisas do festejo. Elas conduzem os processos sagrados durante todas as cerimônias - da levantada do mastro à coroação do imperador, à missa no Domingo de Pentecostes. Marlene Silva e Anica Ferreira - Dona Malá e Dona Anica, respectivamente - são as mais antigas caxeiras de Alcântara. Elas têm conduzido novas sacerdotisas a manterem a tradição.
Profano e sagrado - Depois do toque inicial das caxeiras, as fanfarras tomaram a condução do cortejo, que circulou pelas ruas da cidade histórica. Marchas de carnaval, toadas de bumba meu boi e composições populares foram interpretadas no repertório das bandas contratadas para animar as cerimônias e recepções nas casas dos mordomos.
Ao chegar em frente à porta da casa dos festeiros, os servos do Império estão vibrantes e cobram as oferendas ao Divino, que devem ser doadas em forma de licores e doces. Se o mordomo demora a conceder as ofertas, o grupo cobra com furor em forma de coro: "Sem licor, o mastro não sai! Sem licor, o mastro não sai!".
De acordo com o pesquisador e curador de artes visuais Sérgio Franco, que já realizou curadoria para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) sobre a Festa do Divino Espírito Santo em todo o Brasil, "as oferendas representam uma momento importante". "É com eles que os mordomos mostram a riqueza da festa. A distribuição de licores e doces marca todo o festejo. É um rito que representa o cristianismo primitivo, a proximidade da fé com o povo, com a população mais carente", diz ele.
O curador ainda explica que há uma forte presença entre o paganismo simbolizado pelas frutas, pelos licores e pelos doces. A comida representa a vitalidade do ser humano em ligação com Deus, que se manifesta por meio do Divino Espírito Santo. "Há um pouco de sagrado e profano. É a população que festeja e demonstra sua fé ao mesmo tempo", diz Sérgio Franco, natural de São Paulo, que viajou para Alcântara para acompanhar uma equipe de fotógrafos que decidiram estudar a manifestação cultural no Maranhão.
Anseio - Na morada do mordomo-baixo Anderson Wilker, toda a família está parada na entrada da casa e nas calçadas, ansiosa pela chegada do cortejo com o mastro. Eles passaram um ano preparando-se para a festa. Doces, licores estão prontos para ser servidos. O altar preparado pelo mestre artesão Antônio de Coló ainda não está aberto para visitação. "É uma surpresa, que só será conhecida no dia da visita do imperador", garante o dono da festa.
A tradição já passa por três gerações na casa dos Wilker. Ele, seu pai e sua mãe já participaram dos festejos e o grande sonho é que um deles seja imperador. "Estou aguardando com muita honra essa festa, pois será marcante. Estou dando continuidade a uma tradição familiar, que será mantida por meu casal de filhos, uma futura imperatriz e um futuro imperador, se Deus quiser", brinca ele.
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