sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A maldição dos Kennedy começou no Maranhão há 78 anos


Hoje fazem 78 anos do assassinato de um dos integrantes da poderosa família Kennedy em São Luís




O Brasil dos anos 30 era um país conturbado. Logo no início da década, a chamada Revolução de 1930, movimento empreendido por políticos e militares, derrubara o então presidente Washington Luís, estabelecendo o fim da República Velha e inaugurando a chamada Era de Vargas, que instalaria o gaúcho Getúlio Dorneles Vargas no poder por um período de quinze anos. A "revolução vitoriosa", no entanto, não teve "cacife" para deter a ação predatória do capital estrangeiro no Brasil, que já se transformara num dos países detentores dos números mais expressivos da dívida externa. Assim, mesmo sob a égide do getulismo, os dólares e as libras esterlinas falaram mais alto, e empresas inglesas e norte-americanas, continuaram a auferir lucros escorchantes e a prestar péssimos serviços à população em setores importantes, como águas e esgotos, energia elétrica, transportes e industria de confecção.
O Maranhão não escapou ao apetite leonino das corporações internacionais. Desde 1923, os serviços de tração elétrica (bondes), luz, águas e esgotos e prensa de algodão eram explorados pela norte-americana Ulen Company.
Nos primeiros anos da década de 30, a indignação e a revolta da população sufocada por taxas e impostos extorsivos contra a Ulen já atingia índices altíssimos. O governo maranhense também não suportava mais ter de cumprir rigorosamente as cláusulas do contrato, que faziam sangrar dos cofres públicos mais de um terço da receita pública, com o pagamento periódico de altos juros.
Num telegrama ao presidente Getúlio Vargas, em 1933, o governador do Maranhão, Antônio Martins de Almeida, escreveu: "O contrato com a Ulen é um atentado à dignidade e à soberania de um povo".
Para muitos estudiosos da história maranhense, é impossível que esse clima de revolta contra os desmandos da Ulen Company não tenha envenenado a mente do bilheteiro de bonde José de Ribamar Mendonça, quando ele, inconformado com sua demissão, depois de quase dez anos de trabalho, decidiu, no dia 30 de setembro de 1933, assassinar o contador da Ulen, John Harold Kennedy.
"Parecia um macaco!"- A sede da Ulen ficava na esquina da rua da Estrela com a rua Direita (Henrique Leal), onde hoje está localizada a Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão do Estado.
O escritório era chefiado por Harry Isler, e tinha como segundo homem na hierarquia John Harold Kennedy, responsável por toda a parte contábil da empresa. John Harold era tio de John Fitzgerald Kennedy, que se tornaria presidente dos Estados Unidos em 1961 e morreria assassinado em novembro de 1963.
Desde a instalação da Ulen em São Luís, em 1923, multiplicaram-se na cidade episódios que revelavam a arrogância, o preconceito e o desprezo de seus funcionários em relação à população ludovicence. Os trabalhadores brasileiros da companhia eram as principais vítimas do tratamento humilhante dos ianques. Mas os maus-tratos e as atitudes prepotentes não se limitavam às dependências do escritório da Ulen. Quando saíam às ruas para "se divertir", os "gringos" promoviam quebra-quebras homéricos nos bares e arruaças diversas. O mau exemplo vinha de cima. Era mais que conhecido do povo de São Luís o comportamento de Anne Isler, mulher do chefão da Ulen, que aterrorizava os populares quando resolvia ziguezaguear pelas ruas da cidade com seu carrão, à velocidade máxima – na época, uns 100 quilômetros por hora. Além dos carros velozes, Anne nutria outra paixão: a caça. E não só de animais. Certa feita, caçando nas matas do Sacavém – onde, aliás, a prática desse esporte era proibida –, desfechou, com sua Winchester de dois canos, vários tiros num vulto que apareceu, de repente, por detrás de uma árvore. A "presa" era um guarda florestal, que teve morte instantânea. Na delegacia, questionada por um policial, Anne Isler declarou, displicentemente: "Really, he was looking like a monkey!" ("Realmente, ele parecia com um macaco!").
O contador John Harold Kennedy não era menos petulante e grosseiro. Era ele quem cuidava da contratação e demissão dos funcionários brasileiros da Ulen, a quem tratava com modos rudes – tratamento do qual não escapavam nem mesmo aqueles que estavam na empresa desde o início, como era o caso do bilheteiro de bonde José de Ribamar Mendonça. Nas suas horas ociosas, Kennedy cultivara o hábito de freqüentar o bordel de Laulita, na rua da Palma, onde gastava uma boa quantidade de dólares bebendo uísque House, fumando cigarros Look-Strike e, naturalmente, comprando sexo.
Entre as moças de Laulita, sua predileta era Lurdinha, de quem provavelmente contraiu a blenorragia (doença venérea popularmente conhecida como gonorréia) diagnosticada pelo doutor José Murta, que tinha consultório à praça João Lisboa, 190.
Umas doses de tiquira - José de Ribamar Mendonça, ao contrário dos endinheirados americanos da Ulen, era um jovem humilde e de hábitos simples. Nascido em Cajapió (Baixada Maranhense) em 1908, criou-se no campo, onde desde cedo aprendeu a cumprir suas tarefas com responsabilidade, ordenhando vacas e levando os animais para o pasto. Em 1924, aos 16 anos, veio a São Luís e, disposto a ajudar a família, empregou-se na Ulen. Depois do expediente, Ribamar gostava de bebericar umas doses de tiquira no botequim do Zé Sampaio, que ficava ali bem perto do escritório da Ulen. Depois, antes de ir para casa, no Beco do Couto, costumava dar um passeio pela praça Benedito Leite, fumando cigarros da marca Fidalgo, a mais popular da época. Foi numa dessas caminhadas notívagas na praça que Ribamar encontrou sua amada, Ita, uma graciosa adolescente de 16 anos que morava onde hoje é o Canto da Fabril.
Quando já estava perto de completar 10 anos de empresa – o que lhe garantiria, por lei, a estabilidade no emprego – Ribamar, então com 25 anos, pensou seriamente em constituir uma família com Ita. Os dois não tiveram nem tempo de sonhar. A demissão de Ribamar – sem qualquer motivo que a justificasse, já que era um funcionário aplicado –, na manhã do dia 30 de setembro de 1933, fez cair por terra todos os planos do casal de concretizar uma vida em comum de felicidade.
Sem arrependimento - Depois da demissão, Ribamar ainda tentou procurar alguns políticos influentes para tentar reverter a decisão. Uma das pessoas que contatou foi o ex-governador Astolfo Serra. De nada adiantou. Os diretores da Ulen se mantiveram irredutíveis.
No dia 30 de setembro de 1933, o homem que se apresentou, às 17h30, no escritório da Ulen, pedindo para falar com o contador John Harold Kennedy era uma pessoa em desespero. Um jovem maranhense de 16 anos, Alberto Champadry, atendeu Ribamar, indo chamar John Harold, que estava reunido com o chefe da seção de águas, Ghete Jansen. Ribamar esperou impassível, de pé, junto à grade que separava a sala de espera do escritório propriamente dito. Depois de alguns minutos, John Harold veio até Ribamar.
Os dois trocaram umas poucas palavras e o norte-americano virou-se para voltar à reunião com Ghete Jansen. Nesse momento, o bilheteiro demissionário sacou um revólver marca OV, niquelado, cano longo, calibre 32, e desferiu quatro tiros na direção de John Harold. Só dois acertaram o norte-americano, mas foram fatais.
Perpetrado o crime, Ribamar, ainda com o revólver na mão, correu em direção à rua Afonso Pena, perseguido por uma pequena multidão. Chegando ao Departamento de Saúde e Assistência, entrou no prédio, sendo perseguido pelo cabo da Força Pública, José Caetano da Silva. Quando o cabo o alcançou, Ribamar conversava com o médico Ático Seabra. Ao ver o policial, Ribamar, calmamente, entregou-lhe a arma e disse: "Matei agora mesmo o bandido que mais me perseguia, mas não estou arrependido".
Pressão ianque - O assassinato de um dos principais executivos da Ulen teve grande repercussão. Jornais do Maranhão (A Pacotilha), do sul do país (Jornal do Comércio, O Globo, ambos do Rio de Janeiro) e até dos Estados Unidos (The New York Times) deram grande destaque ao assunto.
Preso, José de Ribamar Mendonça foi julgado quase sumariamente, no mesmo ano de 1933. O julgamento, como não poderia deixar de ser, teve como pano de fundo a exploração do país pelas grandes empresas internacionais.
O governo norte-americano pressionou de todas as formas possíveis a Justiça brasileira para obter a condenação de Ribamar. Subserviente, o próprio Itamaraty, para não desagradar os "irmãos do norte" e manter abertas as torneiras que periodicamente desaguavam milhares de dólares no país, também se empenhou pela condenação do réu.
Apesar de todas as pressões, José de Ribamar Mendonça foi absolvido em dois julgamentos (o primeiro, por 5 a 2; o segundo, por unanimidade), graças principalmente à atuação do advogado Waldemar de Brito, um dos maiores criminalistas de sua época.
Sem emprego e sem amor – a bela Ita se afastou, em meio ao turbilhão desencadeado pelo crime –, Ribamar partiu para o Rio de Janeiro, onde conseguiu um emprego como cobrador, na empresa Atlantic.
Estava claro que José de Ribamar queria se livrar do pesadelo chamado Ulen, começar vida nova, esquecer de tudo. Mas o implacável "polvo" norte-americano não o esqueceu. Em 19 de janeiro de 1944, mais de dez anos depois do crime, ele foi novamente preso, dentro da própria Atlantic, como resultado de um conluio entre o Itamaraty e a Embaixada Americana.
Transferido do Rio para São Luís, Ribamar sequer chegou a ser julgado: Waldemar de Brito o livrou definitivamente com um habeas-corpus, em 29 de maio de 1944. Dez dias depois, Ribamar embarcava de volta ao Rio e ao seu emprego na Atlantic. Lá, o assassino de John Kennedy ficou até morrer, fulminado por um ataque cardíaco, em 22 de março de 1952, aos 44 anos.
Fonte: Antonio Maria Santiago Cabral
Pesquisa e Edição: Luiz Carlos Amaral – Secretário de Cultura de Cantanhede


Brazil saw first act in tragedy of Kennedys

From the assassination of John F. Kennedy in 1963 to the death of his only son two weeks ago, the tragic destiny of the Kennedy family is one of modern history's most scrutinised dramas. Yet historians have left one stone unturned: the Kennedys' sorrowful saga started in Brazil. Last month, journalists in the north-eastern town of São Luis located the court documents of the murder trial for the brutal 1933 killing of John Harold Kennedy, believed to be the brother of John F. Kennedy's father, Joseph.
John Harold's murder, therefore, began the misfortunes that plagued the Kennedy clan. It predates by 11 years the death of John's elder brother, Joe Jnr, in a plane crash, which until now was seen as the earliest of the family's tragedies.
But in São Luis, where the fate of John Harold has been passed down through the generations, the population regards its place in the Kennedy saga with a kind of morbid pride. 'I believe the curse of the Kennedys started here,' said Romero Azevedo, editor of the São Luis newspaper O Imparcial . 'It has been very well documented by the local press for 60 years.'
In São Luis, 1,200 miles from Rio de Janeiro, there was no grassy knoll, just an angry young man, Jose Ribamar Mendonca, wanting to settle scores with the firm that sacked him. He walked into the offices of the US-run Ulen Company and shot John Harold, its bookkeeper, twice in the back when he turned away. But 25-year-old Mendonca became a local hero and a focus for anti-US sentiment.
Ulen, which ran the town's transport, sewage, electricity and water services, was, according to O Imparcial, a mean employer which insisted on English being spoken and sacked people after 10 years' service so it didn't need to pay them extra benefits. Mendonca was tried three times and always acquitted. The US was unable to get the assassin extradited, said Romero Azevedo, which is why the case never came to the public eye outside Brazil.
The only remaining loose end is the precise relationship between Joseph and John Harold, since in the official family tree the latter does not exist. The São Luis version is that the Massachussets-born JHK was an illegitimate brother.
According to local lore, this was confirmed by the US consul in São Luis only after JFK's murder. 'The Americans didn't want to say anything because it was too controversial. But they admitted it in the end,' added Romero Azevedo.

Link da matéria no The Guardian  http://www.guardian.co.uk/world/1999/aug/15/kennedy.usa

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